* Por Alexandre Staut *

Desde 1986, em Paris, ao lado do Panthéon, funciona a Librairie Portugaise & Brésilienne. A casa foi criada por Michel Chandeigne, francês apaixonado pela língua portuguesa, que conheci no Salon do Livre de Paris, em 2014, e que reencontrei este ano, no mesmo evento. Sua dedicação à nossa literatura é tão grande que, em 1992, ao lado de Anne Lima, fundou a Maison d’Éditions Chandeigne, que é especializada em traduções das literaturas brasileira e portuguesa para o francês.

O primeiro livro da casa foi O Brasil de Montaigne, antologia dirigida por Franck Lestringant. A primeira autora brasileira publicada foi Walnice Nogueira Galvão, com Ao som do samba; e o primeiro romance foi Resumo de Ana, de Modesto Carone. A São Paulo Review conversou com Michel Chandeigne, para saber de onde vem seu interesse pela literatura brasileira. Ele falou do público da loja, de suas viagens pelo Brasil, e de autores que já publicou na Franca, como João Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Vinícius de Moraes e Ana Cristina Cesar, entre outros.

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De onde vem seu interesse pela literatura lusófona? Morei em Lisboa por dois anos, onde lecionei biologia. Voltei para a França em 1984 fascinado pela cidade, pela língua e pela cultura portuguesa. Em 1985, enquanto desenvolvia projetos editoriais, trabalhei algumas semanas no Brasil, comprando minerais colecionáveis ​​para um famoso comerciante parisiense, Alain Carion. Voltei os próximos quatro anos para o Brasil para a mesma tarefa e pude viajar por vários lugares do país, do Nordeste à fronteira uruguaia. A língua portuguesa abriu um mundo imenso que me levaria para a Amazônia, Cabo Verde, Moçambique e Goa, mais tarde. Especializei-me em história marítima portuguesa, especialmente com a viagem do português Ferdinand Magellan ao redor do mundo, por volta de 1550. Bem, meu interesse por literatura brasileira veio através de minha esposa, Ariane Witkowski. Ela foi professora de literatura da Sorbonne e lá estudava o estado de Minas Gerais, que a levou a Carlos Drummond de Andrade, de quem reuniu poemas para uma antologia. Ariane foi uma pessoa extraordinária. Infelizmente morreu em 2003, com apenas 40 anos. Ela me legou a paixão pela literatura brasileira. Reuni seus artigos sobre literatura e música brasileiras no livro Brésil, lire, écoute – Essais sur la littérature et la musique.

 Quais os últimos livros brasileiros que editou? Quais aqueles que vai editar nos próximos meses? As penúltimas são duas obras de João Guimarães Rosa, O burrinho pedrês e Estas estórias. Este último, traduzido por Matthieu Dosse, saiu sob o título Mon oncle le jaguar et autres histoires. O livro acaba de receber vários prêmios por traduções. Há também Memórias de um sargento de milícias (Manuel Antônio de Almeida), que saiu sob o título Histoire d’un vaurien. Mas há muitos outros autores nacionais que já lancei na França: Graciliano Ramos (Vidas secas), Luis Ruffato, Ronaldo Correia de Brito, Vinícius de Moraes, Ana Cristina César, etc, e uma antologia monumental e bilingue da poesia brasileira, com 1500 páginas, organizada por Max de Carvalho.

Poderia falar da curadoria da sua livraria? E o público, como é? Outra perguntinha… Como anda a interesse dos franceses em relação à literatura brasileira? Temos todos os títulos de autores de países lusófonos traduzidos na França (1/3 da coleção) e grande quantidade de livros em português (2/3). O público é extremamente variado. Há franceses nostálgicos por sua estada no Brasil, casais mestiços – franceses que se casam com mulheres brasileiras, mas o oposto existe! O público é grande e é formado por ótimos leitores, tanto em português, quanto em francês. Há também muitos brasileiros que estudam ou trabalhando na França. Mas também vendo livros pelo nosso site. Tenho clientes em todo o mundo, Austrália, Canadá e até mesmo Brasil.

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Quais os grandes sucessos da literatura brasileira na sua livraria entre os autores contemporâneos? Chico Buarque, com quem os franceses têm uma longa relação emocional. Há ainda Milton Hatoum. Mas nada comparado ao sucesso de Jorge Amado, no passado. Hoje, há 422 obras literárias brasileiras disponíveis em tradução francesa. O público fica entre vários autores clássicos e contemporâneos. Os mais vendidos no entanto são Machado de Assis (Nº 1 da casa), Clarice Lispector (Nº 2) e Jorge Amado (Nº 3).

O que tem visto de interessante na literatura brasileira atual? Milton Hatoum merecia mais ser conhecido por aqui; no entanto, três de seus cinco livros publicados na França não estão mais disponíveis no mercado há vários anos. O mesmo acontece com Rubem Fonseca e Moacyr Scliar. E com a poesia de João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira. Os editores estrangeiros desistem destes autores devido aos direitos autorais exorbitantes exigidos para esses dois casos, pelo que me dizem. Bem, há  Também a nova literatura marginal… Ferraz, Ana Paula Maia, entre outros. Há a jovem editora Paula Anacaona, que faz um trabalho admirável de difusão nessa área. O Brasil é um continente. Sua literatura está numa escala continental: é rica, múltipla e variada. É uma literatura que não se para de descobrir e redescobrir.

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