* Por Bruno Inácio *

Luiza é uma daquelas personagens que se instalam na memória e ali permanecem. Chega acanhada, por vezes confusa, mas não demora a revelar sua visão particular, delicada e dolorida do mundo ao seu redor. É ela a protagonista de “1+1=2 2-1=0”, de Fernanda Caleffi Barbetta, livro vencedor do Prêmio Cepe de Literatura na categoria romance.

Sua história é marcada pelo abandono e pela sensação de não-pertencimento presentes a partir da primeira ruptura experimentada: a morte da mãe. O acontecimento trágico dá tom à narrativa e cria um vínculo entre leitores/leitoras e a personagem já nas primeiras páginas.

Sem pai desde sempre e, agora, também sem mãe, Luiza passa a viver com sua “tia”, uma amiga da mãe que enxerga a criança como um fardo dos mais pesados e inconvenientes. Nesse momento, a menina se muda para outro estado e é forçada a deixar para trás seu cachorro. O abandono forçado marca o início de um período bastante difícil, em meio a surras, ordens absurdas e tantas outras violências.

Não demora a chegar o momento em que Luiza é descartada. Após ser convidada pela “tia” para um passeio, é abandonada na porta de um orfanato. Ali, enquanto responde a perguntas difíceis e tenta entender um pouco melhor tudo o que aconteceu nos últimos meses, conhece Lena, outra órfã de vida trágica e com sensibilidade para lidar com as crueldades do cotidiano.

A afinidade entre as duas é imediata. Rapidamente confessam segredos, traçam planos e estabelecem um vínculo dos mais sinceros. Pouco depois, no entanto, Luiza é adotada e leva na mala muitas promessas e algumas expectativas.

Na casa que poderia significar recomeço, a protagonista não demora a perceber que está ali para substituir uma morta. Seus novos pais estão apegados a um fantasma e, por isso, projetam em Luiza tudo o que sonharam para a filha falecida.

Temendo um novo abandono, a menina tenta corresponder às expectativas, até que, pouco a pouco, encontra a própria voz e passa a procurar um lugar naquela dinâmica que seja um pouco mais confortável, ainda que longe do ideal.

Com esse enredo marcado por ausências e silêncios, Fernanda Caleffi Barbetta apresenta um romance inovador, sincero e dolorosamente poético. Para isso, utiliza a escrita fragmentada e uma personagem com manias interessantíssimas, como listar os significados de uma palavra a partir do que diz o dicionário e, em seguida, atribuir suas próprias definições com base no que tem vivido.

A protagonista também faz um delicado inventário a respeito das muitas formas de abandono e inclui palavras que vão de afastamento e partida até troca e conserto.

Por tudo isso, “1+1=2 2-1=0” é um livro que dói. Daqueles em que a beleza das frases intensifica o sofrimento ao invés de amenizá-lo. É uma narrativa que transborda, ensina, machuca, desampara e reconstrói. Tudo ao mesmo tempo. Como só as boas obras literárias conseguem fazer.

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

 

 

 

 

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