* Por  Angelo Mendes Corrêa *

As palavras que dão título a estas evocações em torno da vida e da obra do escritor Antonio Olavo Pereira são de Alfredo Bosi, em sua clássica História concisa da literatura brasileira.

Nome bastante conhecido do público nas décadas de 1950, 1960 e 1970, detentor de vasta fortuna crítica, embora tenha deixado uma obra pequena em número de títulos, é possível afirmar, sem nenhum favor, tratar-se de uma das figuras mais importantes da prosa psicológica da literatura brasileira pós-1945.

Nascido aos 5 de fevereiro de 1913, em Batatais, interior de São Paulo, quinto filho numa irmandade de nove, veio para capital paulista aos 14 anos, onde estudou no Colégio Rio Branco e no Ginásio do Estado.

Seu irmão mais velho, José Olympio Pereira Filho, que em 1918 se iniciara no ramo livreiro, na antiga Casa Garraux de São Paulo, fundaria, em 1931, aquela que por décadas foi a mais importante casa editorial brasileira, a Livraria José Olympio Editora, tornando-se o maior editor dos modernistas brasileiros. Basta lembrar que José Olympio reuniu entre seus editados nomes como Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Thiago de Mello, Jorge Amado e Lygia Fagundes Telles, dentre tantos outros da mais alta relevância para nossas letras. Foi também José Olympio quem criou a célebre Coleção Documentos Brasileiros, que ao longo de mais de meio século publicou cerca de duzentos títulos de história, sociologia, filosofia, antropologia, crítica literária, economia  e outros assuntos relacionados à cultura brasileira. Inaugurada com Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, teve entre seus autores nomes como Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, José Veríssimo, Oliveira Lima, Luís da Câmara Cascudo, Nelson Werneck Sodré, Lúcia Miguel Pereira, Capistrano de Abreu e Paulo Prado.

Os primeiros escritos de Antonio Olavo apareceram em O Malho, tradicional publicação literária das primeiras décadas do século XX. Tinha, então, pouco mais de vinte anos e acabara de ler Menino de Engenho, de José Lins do Rego, recém-publicado por José Olympio. A obra impressionou-o demais, especialmente pela linguagem fluida e despojada.

A estreia em livro aconteceria em 1950, com a novela Contramão, laureada no ano anterior com o Prêmio Fábio Prado, um dos mais importantes da época. A obra mereceria de Graciliano Ramos um prefácio, infelizmente nunca publicado, no qual o autor de São Bernardo destacava que poucos dos autores brasileiros contemporâneos haviam estreado com tamanha maturidade.

Contramão foi imediatamente consagrado pela crítica. Carlos Drummond de Andrade escreveu: “seu livro, vazado numa expressão cortante e exata, constituiu a meu ver um de nossos melhores estudos artísticos do tímido inadaptado e lê-lo é mergulhar em cheio no drama de todos os minutos que a vida representa para as criaturas desse tipo.” Sérgio Milliet acentuou: “da novela muito densa, sóbria de estilo e rica de emoção que Antonio Olavo Pereira escreveu, pode-se dizer que assinala mais um passo feliz no caminho da renovação do nosso romance contemporâneo.” Paulo Rónai destacou: “o equilíbrio do introspectivo e do descritivo, da análise e da impressão constitui a marca talvez mais característica deste talento tão vigoroso da novelística brasileira.”

Marcoré, de 1957, recentemente relançado pela editora Arqueiro, veio significar definitiva consagração junto ao público e à crítica. Antonio Candido salientou: Marcoré representa em nossa ficção atual um ponto de refinamento e maturidade que pressagia os mais auspiciosos desenvolvimentos.” Para Rachel de Queiroz ” livro de escritor definitivo.” Gilberto Freyre apontou: “em Marcoré, do vento regional que sopra sobre os personagens, pode-se dizer que , à maneira do vento espanhol, é tão sutil que mata um homem e não apaga um candil. Mas sopra. Acaricia. Mata.” Antonio Houaiss viu uma “obra essencialmente anti-heróica, vinculada com o cotidiano em fidedigna coerência, consegue, não obstante, manter um nível de excepcional interesse em todas as suas páginas, pela sabedoria com que são conotados os acidentes do efêmero nos planos de vida que se cruzam    dentro da trama.” Na sensível percepção de Massaud Moisés “…transparente na linguagem e denso nos pormenores psicológicos, dir-se-ia de um Machado de Assis que se dispusesse a descrever, com melancolia, mas sem ceticismo, sem nenhum sentimento de revolta ou inconformidade,o ramerrão pachorrento duma típica família do interior de São Paulo.”  Premiado pela Academia Brasileira de Letras, publicado em Portugal e nos Estados Unidos,  alcançou treze edições entre nós.

Fio de Prumo, de 1965, romance autobiográfico, fez Rolando Morel Pinto ponderar: “…perfeita estrutura, cujo enredo se tece naturalmente ao ritmo da própria vida, enquanto a linguagem que o transmite flui com segurança e graça e todos os matizes da expressão se atingem com precisão ou sutil delicadeza.” Para Nelly Novaes Coelho “…romance que os nossos adolescentes não só podem, como devem ler, pois inscreve-se claramente entre os que, neste momento, estão franqueando  novas fronteiras …” Vilma Arêas reconheceu-o “um clássico de nossa língua”.

Em 1979, Antonio Olavo Pereira recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo pelo conjunto da obra. A comissão julgadora foi composta por nomes da invergadura de Lygia Fagundes Telles, José Aderaldo Castello, Mário Chamie, Nilo Scalzo e Ricardo Ramos.

Seu último livro, Uma Certa Borboleta Azul, de 1990, destinado ao público infantil, foi visto por Tatiana Belinky como “…uma alegre e grande fantasia, onde a linguagem do contador , simples e acessível, sem ser condescendente, atenua a extensão deste conto-fábula”. Ainda inédito permanece outro texto seu para crianças, O Químico da Terra, ganhador do Prêmio de Literatura Infantil do SAPS, em 1953.

Casado por mais de quarenta anos com Gulnara Lobato de Moraes Pereira, exímia tradutora e autora de O Menino Juca, biografia de Monteiro Lobato, seu tio, destinada aos jovens, Antonio Olavo Pereira faleceu em São Paulo, aos 15 de novembro de 1993.

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Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.