Clarice Lispector: no coração do Recife, de Henrique Inojosa (Editora Mirada) traz a trajetória da autora nos anos em que ela viveu no Recife, entre 1925 a 1935. Mostra como ela se relacionava com a cidade, suas vivências, a construção de mundo e seu olhar sobre a cidade na época, tudo registrado em entrevistas, contos, crônicas e romances que escreveu. Quando criança, a autora desenvolveu na cidade seu apreço pela leitura, pela escrita, pela cultura, a ponto de decidir ainda muito jovem partir para uma trajetória baseada na intelectualidade.

Henrique Inojosa é mestre em História e há muitos anos estuda a obra e a personalidade de Clarice Lispector. Desde criança ouvia, através de sua mãe, o nome da escritora em casa. Quando adulto, passou a ler seus textos, entre histórias como “Banhos de mar”, “Restos de carnaval”, que tanto marcam o período em que a escritora permaneceu no Recife.

Leia trechos da obra:

1) Interpondo um pensamento de Walter Benjamin, segundo o qual “a autêntica atividade literária não pode ter a pretensão de se desenvolver num âmbito estritamente literário”, sugerimos que o universo da escrita de Clarice Lispector se irmana com os ambientes nos quais ela viveu, formando com eles uma profunda sintonia. O Recife é mimetizado em sua obra em muitas nuanças. A escritora retoma em seus textos o carnaval, as paisagens, as lições escolares, as pessoas, os professores, as empregadas, os amigos, os primos, a arquitetura, os teatros, os cinemas, o rio Capibaribe, os cenários, os pregões, o transporte, os costumes, os hábitos, a culinária, os odores, a bossa da cidade.

2) Toda aquela amorosidade entre as irmãs Lispector teve como nascedouro a vida unida e humilde no Recife. Diante das situações difíceis, elas se ajudavam mutuamente e se uniam também para tentar dar o melhor para a mãe enferma e para o pai, que trabalhava duro para sustentar a família. Os encontros com a natureza, como as ocasiões em que toda a família ia tomar banho de mar em Olinda, contribuíam para dar leveza à família e fortalecer os laços que havia entre eles.

3)  Nas décadas de 1920 e 1930, o Recife tinha saído não havia muito tempo do período escravocrata, que deixou muitas marcas em Pernambuco. A cidade era formada, em grande parte, por pessoas simplórias, que não tinham formação e não recebiam estímulos para conseguir autonomia. Eram subjugadas pelo poder público, pelos senhores de engenhos ou por comerciantes abastados. A personagem Macabéa surge a partir da  percepção de Clarice Lispector com relação a essa massa de pessoas oprimidas. Como uma inquietação a respeito de uma fragilidade social que precisava ser exposta. A personagem principal de A hora da estrela era o retrato de uma pessoa com a mente direcionada a repetições, sem capacidade de formular seu próprio pensamento, de exibir ao mundo sua fala, sua marca.

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