* Por Luciene Guimarães *

Jacques Fux é ficcionista, ensaísta e tradutor. Graduado em matemática e mestre em computação, arrebatado pela literatura e seus clássicos, conseguiu a feita de unir os números às letras pesquisando as temáticas do grupo francês OULIPO (Ouvroir de littérature potentielle), com um doutorado em literatura comparada pela UFMG e pela Université de Lille 3. Foi também pesquisador na Universidade de Harvard. A literatura de testemunho, a Shoah e a cultura judaica, também são familiares ao escritor, que obteve o Prêmio São Paulo com seu primeiro romance, Antiterapias.

Com uma lista de livros premiados (Brochadas, Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte; Meshugá, vencedor do Prêmio Manaus e Nobel; dos ensaios: Literatura e matemática, pela editora Perspectiva, vencedor do Prêmio Capes e finalista do APCA; Georges Perec e Ménage Literário; e dos infantis: O enigma do infinito, Selo Altamente Recomendável FNLIJ e finalista do Jabuti, Um labirinto labiríntico, vencedor do Prêmio Paraná Digital), Fux lança agora As coisas de que não me lembro, sou com ilustrações de Raquel Matsushita (Aletria editora). A relação da memória e do esquecimento correlacionada com  a ilustração de pintores surrealistas privilegia ainda mais a marca que o inconsciente imprime no lembrar e esquecer.

“Penso onde não sou. Sou onde não penso” diz a célebre afirmação de Lacan. Qual a relação do título As coisas de que não me lembro sou com a frase lacaniana? O livro traz o inconsciente para a cena e o encena. Resgata as memórias encobridoras, os insucessos dos esquecimentos voluntários e o êxito das memórias que não temos. Sim, de uma forma poética, o livro nos mostra – e talvez nos prove – os pensamentos e as reflexões onde não somos/estamos e o encontro consigo mesmo quando deixamos de pensar e fruímos em lembranças.

Ainda nesse mesmo tema, como você estabelece a relação do seu primeiro livro Antiterapias (Prêmio São Paulo) com o livro atual? O Antiterapias é uma autoficção. Um romance, uma narrativa mais longa em busca de momentos, leituras, passados. Uma tentativa de procura pelas palavras, pelos livros, pelas memórias que formaram o escritor. Sim, eles se conversam, mas o “As coisas de que não me lembro, sou” é um texto curto e mais fluido, mais livre, mais leve. O inconsciente modelando e remodelando a forma.

Percebe-se a influência, mesmo que latente, da poética de Georges Perec. A poética do Oulipo – inspira seu processo criativo? Sim. Perec tem um texto muito bonito chamado “Je me souviens” (Eu me lembro) onde ele busca fragmentos, falhas, resquícios e memórias. Neste meu livro eu converso com ele, apesar de fazer um projeto “contrário” de resgatar deslembranças e desmemorias.

” … passei a detestar e amar simultaneamente o judaísmo. A detestar fazer jejum e lembrar, constantemente, das infelicidades desse meu povo. A me encantar com a possibilidade de viver um país forte, novo, briguento. Também não me lembro do dia em que tive pela primeira vez ojeriza da sinagoga e de muitos de seus membros”
Essa referência, que remete à cultura judaica, e evoca tantos outros escritores, a exemplo de Georges Perec, Philip Roth… a memória e o esquecimento , o lembrar e esquecer, é algo sedimentado, no âmago do escritor? 
Assim como fez Philip Roth em seus livros, a questão religiosa do judaísmo é sempre discutida e polemizada. O que persiste, insiste e resta nessa cultura milenar, mas que é muitas vezes furtada apenas pela – e para – a religião. A cultura judaica, como mostra Perec, Roth, Bashevis Singer, Saul Bellow, Amos Oz, é muito mais vasta e rica, e por isso é importante se lembrar e se esquecer, resgatar e perder, criticar e se apaixonar por essa cultura diaspórica.

Falando de escrita criativa, “não me lembro dos versos que plagiei”… a escrita é tecida como palimpsesto, a seu ver? Sim. Acho bonita a ideia da escrita como palimpsestos de palimpsestos. É rica uma literatura – um livro – que resgate, reviva e recrie outras obras e outros autores.

Quais os planos do escritor para o próximo ano? Novos projetos estão em maturação ou andamento? Já vai ser lançado meu novo livro pela Companhia das Letras: “Mary Anning e o pum dos dinossauros”. Neste livro, conto a história da “primeira paleontóloga” e uma das principais responsáveis pela “descoberta” da narrativa científica e evolutiva dos dinossauros. Uma mulher cientista muito importante, mas que foi apagada pelo machismo estrutural da ciência. Uma história e uma vida que merecem ser contadas e recontadas!

 *

Luciene Guimarães é tradutora e especialista da obra de Marguerite Duras. Doutora em Littérature et arts de la scène et de l’écran pela Université Laval, (Canada), com uma tese desenvolvida também sobre a literatura e o cinema de Marguerite Duras.

*

A revista literária e de artes São Paulo Review é um exemplo de jornalismo independente e de qualidade, que precisa de sua ajuda para sobreviver. Seguem nossos dados bancários, caso resolva contribuir com qualquer quantia:

São Paulo Review Produções/ Banco do Brasil

Agência: 712-9

Conta corrente: 80832-6

CNPJ:  07.740.031/0001-28

ou chave PIX: (11) 99773-6574

Ao contribuir, mande-nos um e-mail avisando. Seu nome, ou o nome de sua empresa, figurará como “Nosso Patrono”, na página ‘Quem somos’ do site. Para anúncio, escreva-nos também por e-mail: saopauloreview@gmail.com

 

Tags: