* Por Bruno Inácio *

Dez anos após ter lançado Na escuridão, amanhã, livro finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, o escritor e editor Rogério Pereira retorna à angústia e à brutalidade cotidiana em Antes do silêncio (Dublinense), seu segundo romance.

A obra aborda o cotidiano do protagonista e sua mãe – uma mulher de 60 anos em estado terminal devido ao câncer – em meio a exames, idas e vindas do hospital, inseguranças, imprevisibilidades e diálogos rápidos.

A narrativa carrega uma atmosfera urgente e claustrofóbica, construída com frases curtas e reforçada por palavras que fogem, a todo custo, do eufemismo. O personagem-narrador não tenta se enganar sobre a morte iminente da mãe, nem suaviza a difícil rotina de cuidar de alguém em estado terminal. Assim, ao recorrer com naturalidade às verdades raramente ditas, o romance abraça a realidade para construir e fortalecer os laços entre mãe e filho.

Essa aproximação também se torna perceptível a partir da ambientação reduzida (uma vez que a história se passa, basicamente, na casa e no hospital) e da sutileza na presença de outros personagens, como uma vizinha e um possível sobrevivente de Auschwitz.

Outro aspecto que chama a atenção é o movimento entre o linear e o não-linear, de modo que novas informações sobre a infância e a adolescência do personagem-narrador surgem pouco a pouco, num ritmo próprio e intimista, capaz de abarcar dificuldades financeiras, um pai violento e uma irmã falecida.

Há ainda uma complexidade convidativa no protagonista, bastante presente nos momentos em que ele utiliza o humor ácido e o sarcasmo para se proteger ou, ao menos, amenizar a exaustão proporcionada pela sua nova rotina.

Nesse ponto, a linguagem por vezes beira à rispidez, o que confere ao romance ainda mais potência e verossimilhança, além de enfatizar o desgaste emocional e psicológico de um personagem que vê a mãe – antes símbolo de força – se transformar numa frágil criatura.

Em seu segundo romance, Rogério Pereira, que é editor do jornal Rascunho, volta aos temas familiares, encara alguns de seus fantasmas e apresenta uma narrativa capaz de ressaltar o quanto pode ser cruel a espera pela morte.

Faz tudo isso de forma verdadeira e totalmente entregue a um personagem que há muito parece ter abandonado o otimismo. Não por acaso, as primeiras linhas do romance lembram o antológico parágrafo de abertura de O estrangeiro, de Albert Camus, clássico do existencialismo.

Antes do silêncio é sobre ruídos e cheiros e desconfortos e amor. É um retrato da brutalidade, mas também um exemplo de que o carinho se mostra de diversas maneiras, até mesmo em bolachas com aspecto pouco atrativo (mas ainda assim saborosas). É um livro que trata de dicotomias e complexidades de forma que só a literatura poderia fazer, afinal, “as palavras serão sempre o nosso cárcere e a nossa liberdade”.

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Antes do silêncio, de Rogério Pereira (Dublinense, 160 págs.)

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do jornal Rascunho.

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