*Por Bruno Inácio *

Ao longo de quase 80 contos curtos, Usufruto de ruínas, novo livro do escritor e crítico literário Whisner Fraga, sintetiza de forma crítica e precisa a pandemia e seus efeitos. As narrativas transitam por diversas temáticas e estabelecem um relevante panorama sobre anos que foram marcados por perdas, desespero, conflitos e negligência. 

Publicada pela Ofícios Terrestres Edições, a obra acompanha personagens em meio às mudanças abruptas impostas pela chegada do novo vírus. Agora, eles passam a lidar com o isolamento social, o constante desgaste nas relações, o desemprego, o medo e a violência.

Nos jornais, um presidente que nega o vírus, a vacina e as mortes. Seus apoiadores reproduzem os discursos efusivos e as frases decoradas. Rapidamente, o número de óbitos cresce. Ainda assim, o negacionismo prevalece.

Tudo isso está nas páginas de Usufruto de ruínas. Em alguns momentos, aparece num tom pessimista, situado entre a denúncia e o enfrentamento direto. Em outros, é a ironia a ferramenta escolhida para evidenciar o absurdo da história brasileira recente. 

Alguns dos destaques ficam com os contos que abordam as relações familiares, especialmente aquelas que passam por rupturas e estremecimentos. Pais e filhos já não se reconhecem enquanto membros de um mesmo núcleo e percebem que as diferenças que os afastam estão cada vez mais gritantes. Por outro lado, o livro também dá espaço para abordagens sobre o amor de famílias que se aproximaram ainda mais e enfrentaram com esperança tempos tão difíceis.

Ainda existem contos que se passam antes ou depois da pandemia e alguns sem relação com o tema, embora se liguem à obra por diferentes motivos, como o tom apocalíptico ou as discussões sobre a brutalidade cotidiana.

Outro aspecto que chama a atenção é a capacidade de síntese de Whisner Fraga, algo evidente em muitos de seus trabalhos, inclusive Usufruto de demônios, finalista do Prêmio Jabuti em 2023, na categoria conto. Cada palavra parece cuidadosamente escolhida no momento de construir personagens complexos e elaborar tramas repletas de movimento.

Não por acaso, muitas das frases poderiam funcionar até mesmo como microcontos – gênero em que o autor tem bastante experiência. Essas sentenças em especial se aproximam da poesia e demonstram o olhar atento e sensível do escritor ao cotidiano, como exemplificado por uma frase que lembra o trabalho de Manoel de Barros: uma formiga pisoteia o infinito e não encontra o ninho.

Com contos que têm entre um parágrafo e duas páginas, Usufruto de ruínas discute os efeitos da pandemia, apresenta novas perspectivas em relação ao cotidiano e reflete sobre solidões, desamparos e recomeços. Ao longo da obra, Whisner Fraga destaca o que há de mais autêntico na humanidade, desde o amor maduro até a violência gratuita, sem se perder no caminho ou se render à previsibilidade. Uma leitura que provoca e ressoa a cada página.

Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

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