*Por Ieda de Oliveira*

         Quando pequena, ouvia os  mais velhos da família usarem uma expressão curiosa, que nunca havia entendido e que me deixava intrigada. Era o tal do “cerca Lourenço” utilizado toda vez que alguém ficava de enrolação.  Pois é, o que eu nunca poderia imaginar é que viria a conhecer o neto do Lourenço, um “nerd” que foi responsável pelo bom funcionamento de meus computadores e professor de minhas angústias informáticas. A história de seu avô, me fascinou.

        Imaginem que o Lourenço, que como o neto, tem o sobrenome Gilaberte, era sócio de uma antiga fábrica de sabão na Av. Brasil. Uma de suas diversões, segundo o neto, e de alguns de seus amigos, era jogar cartas no antigo Jardim Zoológico de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Lá havia um gerente que toda semana, como novidade, colocava um animal em destaque para ser apreciado pelos visitantes. Uma semana era a cobra, na outra o macaco e assim por diante. A turma que jogava cartas ali acompanhava sem interesse as trocas do gerente, até que um dia o mau cheiro de alguns animais começou a incomodá-los. Reclamaram muito e no final aquilo acabou virando motivo de gozação.

        Toda a semana eles brincavam para ver se adivinhavam qual bicho seria escolhido pelo gerente para ser exposto aos olhares do público. Resolveram começar a apostar pra valer. A responsabilidade de recolher o dinheiro de todos e guardar até a outra semana ficava a cargo do Lourenço.

Parece que na época, os jogos de azar estavam proibidos. Os cassinos foram fechados e segundo o Gilaberte neto, a turma se refugiou no que então ainda não tinha o nome oficial de “jogo do bicho”. Pois bem, o Lourenço virou o dono da banca, quer dizer  “banqueiro”, e o “negócio” prosperou muito, ao contrário da fábrica que ia mal das pernas.

        Bem, não precisa dizer que o cerco policial foi intenso, mas nunca, nunquinha, conseguiram prender o Lourenço. A polícia chegava e gritava “cerca Lourenço”, que muito espertamente saía correndo em direção a um açougue, em cujo frigorífico havia uma porta falsa, que dava acesso a uma vila por onde ele fugia.

Hoje, lembro com saudades desse “nerd”, Carlos Gilaberte, que,  além de resolver meus problemas informáticos elucidou minha dúvida de semântica.

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Ieda de Oliveira é escritora, criadora do podcast Cinco minutos de literatura.

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Na imagem, a Vila Isabel de antigamente.

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