* Por Lorraine Ramos *

Círculo de poemas, coleção de poesia e clube de assinaturas, é formado a partir da parceria entre as editoras Fósforo e Luna Parque. Seu catálogo constitui-se de uma variedade de temas a nortearem os olhos atentos dos leitores, portando nomes tanto nacionais quanto internacionais, centrando sua busca por aqueles situados nos últimos dois séculos.

Desde o começo deste ano, o círculo tem cada vez mais ressoado no mercado brasileiro dado sua produção mensal. Obras, tanto nos formatos de livro quanto dos de plaquete, se instauram em seu índice. Julieta Barbara, Miriam Alves, Aline Motta, Marcelo Ariel e o cineasta Jean-Luc Godard são exemplos de seu ambicioso labor.

Um de seus lançamentos, “Dança para cavalos”, da poeta e artista visual Ana Estaregui, foi dado ao público em março de 2022.

A composição poética de Estaregui é dialética. As figuras se tornam familiares: a casa, o ar, o corpo, o mar. Como confere a poeta Alice Sant’anna ao texto da orelha, a linguagem denota uma ideia de extensão em metamorfose. Os poemas estão em fluxo constante, em uma interligação, retroalimentação entre eles. Somente é possível conferir a certeza de que, se tentarmos apreender com as mãos as coisas, será impossível. Trair algo a partir do movimento dos ventos, mas perceber que mesmo com o instrumento das mãos, alguma coisa ainda brilhará. Como um sol.

O que vem aos olhos é desconhecido, seja a estrutura de um novo idioma ou a casa, o teto e as janelas de vidro. “Uma sílaba impronunciável como se já soubesse antes/ o som e o sentido/ por dedução/ fúria dos ouvidos e coração/ daqui debaixo escuto o som dos outros/ e já não tento traduzi-los”. A dimensão da anunciação se faz presente ao enumerar com força as sensações corporais, notadas através da perspectiva do eu lírico no mistério de sua pré determinação ao assimilar algo não tão comum à primeira vista, mas passível de decodificar.

Antes do poema mencionado, outro texto é configurado sob o verbo continuar. Ele detém tanto a não alteração quanto uma ambiguidade do futuro, tornando-os quase sinônimos. É sempre difícil caminhar.

Tal qual um poema, o que é evocado pode ser dito tanto em voz alta quanto de forma silenciosa. Continuar é uma ideia a ser pronunciada, e a leitura de um poema muitas das vezes é dita para outro interlocutor. E aproximar as frases leva a se comunicar. “Se os dias fossem mais opacos/ como os olhos ilegíveis das alpacas/ ou se pudéssemos ler isto em silêncio/ e ainda assim nos comunicar”.

A obra é formada pelo diálogo estruturante, seja os da própria página, representando um silêncio dos títulos, a numeração entre as poesias e um lugar comum entre determinadas expressões; o diálogo também se instaura na potência dos signos, essa realidade imediata, ao tratar da dialética dos enunciados, a articulação das modulações do tempo e espaço. Mas é justamente no elemento da natureza que reside a centralidade. Partindo da perspectiva do animal ser um desdobramento desse espaço, é possível se deparar com o outro, nesse caso um indivíduo ou outra espécie. É na interação com outros fenômenos, matérias, comportamentos, que construímos novos caminhos. É na provocação, inquietude e no vocalizar a condição das alteridades.

Em obras literárias das autoras Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, respectivamente, a animalidade é inserida sob uma base libertadora ou ambígua, desatando nós para o leitor desvelar as condições de suas faculdades humanas — como se quem sabe pela força dos ventos chegasse o indubitável: não há diferença entre árvore mancha e a mulher. Estaregui dirige-se com o vigor das forças da natureza em poesias tanto curtas quanto maiores, ensejando o poder dos instintos nos versos, como a encenar, em uma dança, os movimentos do corpo na produção dos pensamentos, pungentes como a declaração do filósofo Jacques Derrida ao afirmar que o pensamento animal cabe à poesia.

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Lorraine Ramos é escritora.

 

 

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