* Por Helder Thiago Maia *
Quarto livro de Daniel Manzoni, Poesia feita pelo diabo é um projeto estético e político ousado de um jovem autor que vai abrindo buracos nas paredes da literatura brasileira a partir de uma voz eminentemente dissidente e gay. Esteticamente ousado porque ultrapassa as fronteiras da prosa e da poesia, mas também por produzir duas obras dentro de uma só, que podem ser lidas ao mesmo tempo ou não, politicamente engajado por problematizar as relações heteronormativas, Daniel e seus personagens vão forçando os limites canônicos de gêneros textuais, ao mesmo tempo em que experimenta a desconstrução das normatividades da sexualidade.
Poesia feita pelo o diabo, a partir das relações entre dois profissionais da palavra, uma professora universitária e um jornalista, fala sobre o desejo e a sua reinvenção dentro de um casamento monogâmico e heterossexual que se abre à presença e à poesia de Nicolas e Benício. Como se isso fosse pouco, há ainda um diabo que espreita, em nome de um Jesus da goiabeira, essas novas reconfigurações amorosas e busca destruir o amor, o desejo e a vida. Monogamia, poligamia, heterossexualidade, bissexualidade, racismo, xenofobia e incesto são temas que fervem nesse caldeirão.
Não faltam também alusões à política de morte e de entristecimento do atual governo brasileiro. Diante de uma política institucional que busca uma vida sem ambiguidades, ao mesmo tempo em que distribui violência aos dissidentes sonhando com seu extermínio, o que nos sobra como leitores, tal qual Nicolas em algum cinemão, é fazer de nosso coração um imenso glory hole. A alegria e o gozo são a resistência de Dina, Otávio, Nicolas e Benício, mas é também a nossa.
Daniel Manzoni ainda promete muito à literatura brasileira, por isso estamos sempre à espera do próximo livro. Como bom perlongheriano que Manzoni é, o que Poesia feita pelo diabo quer é que nos desejem seja sexualmente seja como vidas que importam.
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Helder Thiago Maia é professor universitário e pesquisador de literatura lgbtqia+.
