*Por Bruno Inácio*

O amadurecimento, com suas nuances, especificidades e contradições, tem atraído a atenção de escritores e escritoras há séculos. Nas últimas décadas, são muitos os exemplos de livros que abordam esse processo de forma sensível e, por vezes, avassaladora. A produção de João Anzanello Carrascoza é um excelente exemplo disso, assim como Vermelho amargo (Bartolomeu Campos de Queirós) e os recém-publicados 1+1=2 2-1=0 (Fernanda Caleffi Barbetta) e Baixo paraíso (Isabella de Andrade).

Recentemente, quem se aventurou por esse caminho com bastante originalidade e sensibilidade foi a escritora Cintia Brasileiro, que lançou Na Intimidade do Silêncio, romance publicado pela Aboio. Com capítulos curtos e uma linguagem tão poética quanto madura, a obra narra a história de Lia, uma professora que nasceu em Minas Gerais e vive em São Paulo.

Ao intercalar infância, adolescência e vida adulta, a personagem-narradora revisita o passado e rememora ações de adultos que provocaram consideráveis transformações em sua vida, tanto para o bem quanto para o mal.

Órfã desde muito cedo, Lia foi criada pelo avô – um homem gentil e carinhoso – e encontrou na vizinha Dona Dora uma espécie de figura materna. A garota cresceu diante de provocações de colegas, situações embaraçosas e confusões a respeito da própria identidade e da composição de sua estrutura familiar.

Com o passar dos anos, encontrou em outra cidade, nos estudos, num intercâmbio e na profissão de professora de Artes respostas para algumas das perguntas que levantou ao longo da vida. Porém, as explicações se tornam ainda mais necessárias quando recebe de Dona Dora uma caixa deixada pelo avô, agora falecido, contendo memórias, afetos e segredos.

Assim, numa narrativa que passeia naturalmente entre passado e presente, leitores e leitoras são convidados a organizar fatos, repensar papéis e acolher os traumas de uma menina sensível e atenta ao cotidiano.

A pureza que parece dar tom à narrativa no início, pouco a pouco ganha novas camadas e abre espaço para as complexidades da infância, período em que a inocência se vê forçada a conviver com o que há de mais assustador e traumático.

Além de compor um retrato verossímil da infância, longe das idealizações comuns dentro e fora da literatura, Cintia Brasileiro constrói frases irresistíveis, uma trama bem articulada e personagens envolventes. Também aborda temas pertinentes – como o tabu da Aids, o machismo e o racismo – e explora as múltiplas possibilidades oferecidas pela linguagem, ao usar espaços em branco para reforçar o silêncio, fontes diferentes para representar sentimentos intensos e até uma diagramação bastante divertida para simular os degraus de uma escada.

Em meio a versos de Adélia Prado e referências aos anos 80 e 90, a escritora traz um romance de estreia provocativo, intenso e memorável. Cintia Brasileiro propõe uma tentativa de acerto de contas com o passado através de um mergulho abrupto e capaz de tocar em feridas, questionar certezas, reafirmar afetos e, acima de tudo, sublimar o trauma.

Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

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