* Por Sérgio Tavares *

Todas as mulheres dos presidentes joga luz sobre uma personagem que historicamente tem o papel de coadjuvante na política nacional: a primeira-dama. Em sua segunda parceria no campo da pesquisa histórica, os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo compõem uma série perfis de mulheres que, mesmo sem o devido reconhecimento público, tiveram participação direta nos rumos do Brasil, de Maria Cecília de Souza Meireles, esposa de Deodoro da Fonseca, primeiro presidente brasileiro, à Michele de Paula Firmino Reinado, casada com o atual governante do país. O livro ainda toma liberdade de suprimir alguns nomes, entre outros motivos pela passagem relâmpago do marido no cargo, e de adicionar algumas quase primeiras-damas, a exemplo de Risoleta Guimarães Tolentin, esposa de Tancredo Neves, eleito, porém morto antes de tomar posse.

Os autores se munem de documentos, artigos, crônicas, entrevistas, composições, biografias e até mesmo romances ficcionais para dar forma aos breves relatos, divididos em capítulos que se referem aos períodos da República Velha, da Era Vargas, da Redemocratização, da Ditadura Militar e da Nova República. O passeio por essa bibliografia variada remonta cenários que, além de situar as primeiras-damas em seus respectivos governos, plasmam toda a vida sociocultural do período, proporcionando ao leitor um entendimento amplo sobre o panorama político para, só assim, efetuar o recorte íntimo que pauta a proposta central.

De donas de casa completamente alheias à liturgia do cargo a verdadeiras militantes, a galeria de personagens revela mulheres muitos distintas em temperamento e interesses, mas que, em sua grande maioria, sofreram de dramas parecidos, como as recorrentes traições extraconjugais dos maridos e a perda de filhos. Poucas são aquelas que tiveram formação educacional (a pesquisadora e professora Ruth Villaça Corrêa Leite, esposa de Fernando Henrique Cardoso, é uma exceção incomparável), embora muitas assumiram a direção de instituições e de programas sociais, em especial a presidência da famigerada Legião Brasileira de Assistência (LBA), que desencadeou um dos escândalos de corrupção no governo Fernando Collor, envolvendo a então primeira-dama Rosane Brandão Malta.

Os momentos mais saborosos, no entanto, são aqueles que dão conta de peculiaridades e fatos inusitados. Entre episódios cômicos e aqueles marcados pela lealdade e pela força feminina, o olhar pelos bastidores da história oficial descobre a primeira-dama que tinha mania de varrer a calçada do Palácio do Catete, aquela que montou um zoológico na residência oficial, a que desenhava caricaturas para revistas e a que se valia do poder para perseguir e punir os críticos do governo. Há ainda aquela que participava de rituais de magia negra no porão da casa presidencial, e o bizarro caso da primeira-dama cuja beleza estonteante foi citada pela ditadura no interrogatório de um preso político.

Um livro, enfim, que revisita a história do Brasil pela perspectiva de mulheres cujas vidas, em muitos casos, passaram à sombra de seus maridos, mas que foram semeadoras de ações e campanhas que hoje são estabelecidas como direitos básicos femininos, a exemplo do esforço de Sarah Luísa Gomes de Souza Lemos, casada com Juscelino Kubitschek, para implantar políticas públicas de prevenção do câncer ginecológico feminino e de mama, depois de perder a mãe para a doença. Uma das mais ativas primeiras-damas, Sarah é também aquele que, durante uma entrevista dada em 1972, melhor definiu a condição de ser casada com um presidente da República: Uma pessoa que passa por este posto não tem vida própria e vive numa solidão cercada de multidões. Uma existência invisível, portanto, que diz muito sobre a nossa sociedade.

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Todas as mulheres dos presidentes, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo (Editora Máquina de Livros, 336 págs.)

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Sérgio Tavares é jornalista

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Na foto principal, o presidente Lula e sua mulher, Marisa Letícia Lula da Silva

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