* Por Sérgio Tavares *

Diolindas dá continuidade ao projeto dos escritores Ronaldo Cagiano e Eltânia André de converter matéria autobiográfica em matéria ficcional, iniciado, individualmente, com a seleta de contos “Eles não moram mais aqui” e o romance “Para fugir dos vivos”, ambos lançados em 2015.

O território de escavação das memórias é Cataguases (MG). Ainda que trabalhem com uma cartografia variante, é a cidade onde nasceram e se conheceram (os autores são casados) que serve de cenário para plantarem seus enredos e extraírem, desse epicentro afetivo, aspectos próprios que irão constituir a personalidade dos atores da trama.

No caso de Diolindas, a renúncia, a perda, o não pertencimento, a culpa, a omissão.

Bel, uma advogada recém formada, retorna à cidade natal de Cataguases para o enterro da mãe, Diolinda Lúcia de Almeida. Do reencontro com o pai, os irmãos e alguns parentes, ela inicia uma incursão, no rastro das próprias lembranças e das lembranças suspeitas de outros, pelo passado da mãe, uma costureira virtuosa de sonhos altivos, mas que, por motivos claros e acortinados, teve a vida ancorada ao desencantamento.

Bel visita sua infância e transforma a menina que foi numa voz de impressão, despertando outras vozes femininas por todo o livro, que remontam esse tempo pregresso que é o da narradora principal e um anterior ao seu nascimento, no qual se revela a juventude de Diolinda, seu primeiro amor, a gravidez inesperada.

Ao amarrar esses relatos que avançam e recuam no tempo, o livro se estrutura a partir de uma teia familiar, cuja urdidura, pouco a pouco, vai se prendendo ao tecido político-social e à história recente do Brasil. A experiência de vida desses personagens se constrói pelo espaço dramático assaltado pelo período de chumbo da ditadura militar, pelos governos Sarney e Collor, pelo Plano Real; no vozerio daqueles que comemoraram e depois se decepcionaram com a ascensão da esquerda.

Cagiano e Eltânia dão revelo a acontecimentos-chave dos últimos anos, indicando um trabalho cuidadoso de pesquisa, mas que, em nenhum instante, descompassa o fluxo narrativo. A opinião e a análise não se tornam panfletos gratuitos, mediante ao foco no desenvolvimento pleno da amarração desse núcleo, onde se concentram a tensão dos sentimentos e a matriz de um fio condutor que mostrará que somos, acima de qualquer ímpeto pessoal, a soma daqueles que vieram antes e desmoronaram em silêncio.

“Diolindas”, afinal, configura-se uma caixa de segredos cuja abertura é capaz de reconduzir uma existência e transformar a visão sobre uma vida aparentemente modelada pela resignação. Uma história de descoberta entre mãe e filha, de autodescoberta, que, tramada por meio de uma linguagem vigorosa, elegante e lustrada com poesia, mostra que o cumprimento de um sonho pode ser um acerto de contas e, ao mesmo tempo, um legado.

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Diolindas, de Ronaldo Cagiano e Eltânia André (Penalux, 200 págs.)

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Avaliação: _avaliação_pena_avaliação_pena  (muito bom)

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Sérgio Tavares é escritor

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