corra
começou ainda criança
foi o único que percebeu
o poodle cair na piscina
as patinhas angustiadas
tentando chegar à borda
e fez o quê?
ficou lá
imóvel
assistindo à língua roxa
ao pulmão encharcado
até o bicho virar âncora
não moveu um dedo
mas veio a vergonha
e gritou para a mãe
todo descabelado
o petit petizinho
morreu afogado
mãe!
como se não soubesse
não tivesse visto os pelos
pesados presos ao ralo
não estivesse ao alcance
a chance de o cachorro
estar vivo ainda hoje
mas preferiu
o medo e a fobia
todo enrugado
de um terror
tão real que
chega a ser molhado
então nem comece agora
depois desses anos todos
a dizer que finalmente vai
tirar a poeira dos ossos
desenrijecer articulações
paradas inertes petrificadas
ainda mais depois
do que aconteceu ontem
:
sabe que todo mundo
percebeu, não sabe?
pois é
seria melhor correr
abandonar a casa
não levar roupas
pasta de dente
sequer uma mala
mas não consegue
né?
vai ficar aí
sentado
e um rio
escorrendo
pelas axilas
***
top
polegar e
indicador
apontados
em pose
de pistola
pou
pou
pou
posso
tentar
também
papai?
pequeno
polegar e
pequeno
indicador
apontados
em pose
de pistola
pou
pou
pou
papai
papai?
papai!
***
álbum de família
quando mamãe viajava
pra búzios, tia cora ia junto
garrafa de campari debaixo da saia
no primeiro gole
subia na mesa
dançava cancan
um dia deu pra falar
com espíritos, tagarelar namoricos
até que vovô decidiu acorrentá-la
tia cora
armava
o maior
banzeiro
travada
na cama
você não conheceu
mas era um sarro
a nossa louquinha
***
o homem pelado parece triste
um homem pelado
só de meias e tênis
me examina apático
do outro lado da rua
e balança o pau mole
não quer me comer
nem mostra medo
de pé na calçada
sem cueca, alvo
do pudor policial
só gira
balança
o pau
glande
mole
na verdade parece
até um pouco aflito
prostrado ou triste
pálpebras flácidas
murchas afofadas
quem sabe perdeu
o emprego à tarde
ou assistiu à filha
fugir com um cara
qualquer da internet
não sei
quero perguntar
a opinião dos
outros, saber
se há angústia
no homem nu
mas
taxistas cochilam
cachorros cochilam
velhas andam como
se cochilassem e
só o pau mole gira
ninguém parece notar
***
escuta
na próxima
você usa o
de serviço
?
*
Bruno Molinero é jornalista e autor de Alarido (Patuá), que venceu o prêmio Guavira de Literatura. Os poemas desta página são de Férias na Disney, seu segundo livro, que acaba de ser lançado também pela editora Patuá.
*
Foto: divulgação