* Por Alexandre Staut *

O Supremo Tribunal Federal negocia um contrato milionário para instalar um sistema de telecomunicações para ministros. Uma experiência num laboratório de neurociências pretende devassar a mente humana. O mestre budista Nobu Kentaro é assassinado quando tenta alertar o presidente da Corte de um segredo que pode implodir o sistema judicial brasileiro. Os temas são trabalhados pela escritora e promotora pública pernambucana Andréa Nunes em seu novo livro, A corte infiltrada (editora Buzz, 262 págs.), um suspense policial que traz fatos reais dos bastidores da justiça brasileira, revelando a promiscuidade entre o crime organizado e o poder. A autora falou à São Paulo Review sobre sua obra, literatura, política e políticos criminosos. Leia abaixo:

Política

Não existe dissociação entre Literatura e Política. Escrever é um ato subversivo, e um dos primeiros registros disso está na República de Platão, quando , expondo uma aparente contradição entre verdade e estética, o livro conclui que os poetas precisam ser expulsos da cidade perfeita. Disso se conclui que a arte representa um perigo porque estimula o pensamento, a crítica, e consequentemente, a busca de novas soluções. A arte confronta o fazer político nos sistemas totalitários. Foi justamente com esse pensamento que nos ocorreu a ideia de construir uma trama fictícia para expor as contradições e segredos do atual sistema político brasileiro.

Como Promotora de Justiça de combate à corrupção, tive acesso a essas informações sobre a atual crise política brasileira bem antes que elas viessem a público, e me inquietava profundamente que os graves erros de nosso sistema jurídico e político não estivessem sendo adequadamente debatidos. Me angustiava que a população estivesse alheia à infiltração do crime organizado nas instituições de poder, e estivesse totalmente fora dos debates éticos travados nas esferas de governo para tratar  a criminalidade.

Direito no Brasil

Por outro lado, desempenhando o papel de órgão repressor de controle estatal , munida de discurso técnico e autoridade,  não me era possível atrair plateias diversificadas e extensas para debater um tema árido como controle da corrupção. Cheguei a dar palestras em algumas escolas, mas os convites eram muito raros. Eu queria alcançar muita gente, envolver as pessoas naquilo.

Foi então que me inspirei numa frase de José Américo de Almeida (que também era Promotor de Justiça), no prefácio de “A Bagaceira”: “Há muitas formas de se dizer a verdade: talvez a mais persuasiva seja a que tem a aparência de mentira”. E percebi que na verdade, a ficção poderia ser um caminho muito eficaz para passar as informações à população do que palestras de púlpito e toga. A ideia seria construir um livro em camadas, onde, sob a fachada de diversão, os mais sérios temas enfrentados pelo Brasil contemporâneo pudessem ser diluídos na narrativa.

Literatura no Brasil

Por outro lado, acompanho com interesse o florescer da nova literatura brasileira. Apesar da dificuldade dos tempos em que vivemos, contamos com grandes coisas acontecendo. Destaco por exemplo o vigor que a Primavera Literária Brasileira, organizada pelo professor Leonardo Tonus,  tem trazido à nossa produção literária no exterior, revelando aos alunos de universidades europeias a riqueza e a diversidade da literatura brasileira. Percebo também que no nosso país finalmente  a literatura policial deixou de ser um tabu, graças a  jovens e talentosos escritores que promoveram sua renovação com ótima aceitação de público e crítica. Ao mesmo tempo, a literatura feita no Nordeste e de autoria feminina também vêm ganhando espaço em nichos antes inacessíveis no mercado editorial. Muitos dos vencedores de importantes prêmios em nível nacional nos últimos anos são nomes do Nordeste, e a visibilidade da produção literária das mulheres tem crescido cada vez mais, inclusive  com escritoras de todo o país se organizando , se ajudando e construindo coletivamente, como no caso do grupo “Mulherio das Letras”, organizado por Maria Valéria Rezende.

Ficção x realidade 

Com todos esses elementos,  estava preparado o terreno para a criação de A corte infiltrada. Ela surgiu nesse contexto , alinhavando realidade e ficção no mesmo tecido narrativo, onde, através do fio condutor de uma trama policial que pretende segurar o leitor pela curiosidade e tensão, vamos ministrando informações verdadeiras sobre a promiscuidade entre crime e poder no Brasil, e convidando o leitor a se posicionar diante dos delicados dilemas éticos que acompanham as possíveis soluções. Para tornar tudo mais interessante, ambientamos a trama em cenários muito familiares aos brasileiros, como o próprio Supremo Tribunal Federal, e usamos códigos e informações que o próprio crime organizado brasileiro utiliza na vida real, para que os personagens consigam chegar à resolução do enigma.

Brasília

Muitas pessoas me perguntam qual o significado exato do título A corte Infiltrada. Acho que o grande barato de um título é evocar múltiplas mensagens e interpretações, e percebo que esse nome consegue isso. Muito além da referência óbvia de Corte como tribunal, a palavra também remete à ideia do estilo de vida da aristocracia nos antigos castelos medievais. O livro, ao analisar a deturpação das relações de poder, subserviência e estratificação social na Brasília de hoje faz uma comparação com as cortes medievais- identificando ainda quem representa a plebe, o soldados do rei, e os bandidos de dentro e de fora do palácio que ameaçam a paz no reino.

Judiciário

No livro, há um plano traçado pelo crime organizado para influenciar nas decisões da Suprema Corte. Desse modo, há a oportunidade de demonstrar algumas manobras feitas por facções criminosas para se favorecer em julgamentos- quer através do tráfico de influências, quer através da infiltração de criminosos dentro do próprio Tribunal. Sabemos que o crime organizado hoje financia o estudo e a capacitação de bandidos para ocupar cargos públicos, e isso não é ficção. A população precisa tomar conhecimento para compreender a importância de refinar mecanismos de escolha dos ministros de cortes superiores, blindar o poder de tantas formas de infiltração.

Mas há também o outro lado da moeda: o subtítulo, que pergunta “quem controla o controlador” sugere que algumas benesses concedidas aos poderosos, como foro privilegiado e as mais diversas formas de imunidade têm tornado os cargos de poder ainda mais cobiçados por pessoas inescrupulosas. Ainda, a blindagem institucional , o corporativismo e a falta de transparência podem gerar decisões injustas, porque o limite entre discricionariedade e arbítrio é muito sutil. A sociedade brasileira precisa entender quais são as regras do jogo que está sendo jogado nesse momento, para entender para quem pretende dar poder, e quais as consequências – boas e ruins- do empoderamento ou do desmonte das instituições.

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corteinfiltrada

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