É com tristeza que a São Paulo Review inicia hoje série colaborativa, entre mais de 30 escritores nacionais bastante conhecidos do público, com homenagens às crianças assassinadas em tiroteios nas comunidades cariocas.

Cada autor escreve sobre uma das crianças vítimas da barbárie. Os textos serão publicados de forma anônima, para não fazermos show off em cima da dor, e também como forma de protesto.

Os nomes das crianças homenageadas podem ser mencionados ou não. Asseguramos a qualidade do teor literário dos trabalhos e assim gritamos bem alto com a arma que nos cabe, a da palavra, contra a violência a que estamos vivendo.

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* Por Márwio Câmara *

Dentro de mim algo me escapa como um conflito idiossincrático. Sem razão aparente. Que quando racionalizo o ato, sinto a dor como a dor deveras de um parto. Não exatamente aquele de parir, à luz da vida que brota e faz nascer, mas de repartir-se ao meio ou em meio a muitos cacos.

Olho a TV, atônito e confuso. Algo em mim não passa bem. Não sei como administrar isso, mas em tom metódico versifico a minha dor, como se eu pudesse sentir o último suspiro daquela criança dilacerada pela truculência de uma bala. Perdida. Sem saber a criança. Assim como eu. Uma hemorragia de esperança — esperança?

Tento compreender. A realidade que sempre me escapa. A inocência estilhaçada em mais uma pérfida estatística.

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Márwio Câmara é escritor, autor de Solidão e outras companhias

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