Por Roberto Bahiense *

Estive em Paris durante o Salão do Livro deste ano, a convite do Bief – Bureau International de l’Édition Française, juntamente com respeitados editores e players da cadeia produtiva do livro no Brasil.

Antes, portanto, do horror que se abateu sobre a cidade nos últimos dias.

Lembrei-me, lá, de um livro que havia lido há alguns anos, de autoria do norte-americano Edmund White, publicado pela Companhia das Letras.

O livro chama-se O flâneur – um passeio pelos paradoxos de Paris.

Tratei, na ocasião, durante a palestra que proferi no Centre National du Livre, dos paradoxos do meu País, de modo a contextualizar, justificar e legitimar a Biblioteca Virtual Nuvem de Livros.

Ao longo da minha exposição, após apresentar o que fizemos no Brasil e estamos, agora, desenvolvendo em outros países – com início na Espanha, em parceria com uma destacada corporação francesa, a Orange, e em vários países da América Latina, a partir de janeiro de 2016 -, esbocei, como Edmund, a mesma visão estrangeira sobre a realidade francesa, no tocante ao mercado do livro digital, sobretudo a partir da decisão do governo francês, notadamente da ministra Fleur Pellerin, sustentada por análise do “Le médiateur du Livre”, que identifica a ilegalidade dos serviços de leitura via streaming e de outras soluções análogas na França.

Antes que eu provocasse possíveis reações por parte das áreas de decisão governamental daquele país, Edmund, novamente ele, com a sua narrativa envolvente, em O flâneur…, auxiliou-me ao afirmar, no seu livro, que “os franceses têm uma civilização tão atraente, plena de plácidos prazeres e de tolerância genérica, e seus gostos em todos os domínios são tão marcantes, tão firmes, que um estrangeiro – eu, no caso – é logo levado a acreditar que, caso se tornasse um parisiense, dominaria, finalmente, a arte de viver.”

Esta singela menção protegeu-me, creio, em relação aos comentários que fiz e das minhas tímidas reflexões sobre o tema.

Voltemos, contudo, aos acontecimentos protagonizados, pela ministra da cultura, Fleur Pellerin.

Voltemos, também, ao Edmund.

Diz ele que a França só poderá continuar a exercer a sua função de farol da civilização, e não apenas de guardiã de sua herança, se abraçar a cultura híbrida e internacional que floresce mundo afora, sobretudo nos países emergentes como o Brasil.

No documento produzido por “Le médiateur du Livre”, há menção explícita a “…um risco de transferência, com a possibilidade de os atuais compradores de livros impressos ou digitais migrarem maciçamente para as ofertas de assinatura com condições financeiras menos favoráveis para os detentores dos direitos…”.

Ao pressupor tal comportamento, limita-se o crescimento do mercado leitor.

Conter a inexorável mudança de comportamento dos indivíduos, diante da velocidade dos novos modelos de intercomunicação pessoal com o apps e as redes sociais, é como tentar reter água com as mãos.

O documento faz referência, ainda, “à queda das receitas dos autores que participaram da experimentação de modelos deste tipo nos Estados Unidos e que, recentemente, falaram sobre sua decepção na imprensa”.

Não é factual e não se aplica a uma plataforma com a Nuvem de Livros, única no mundo a remunerar os editores e autores pelo aluguel de leitura dos conteúdos em suporte digital.

Diz o documento: “O nível de tarifação aplicado gera críticas. Esse nível se alinha às tabelas praticadas na música e no audiovisual, ao passo que as tarifas de venda unitária são, no entanto, distintas em cada setor. Por outro lado, o montante da assinatura é equivalente ao preço médio de um livro digital. Consequentemente, o serviço somente se torna financeiramente interessante para o usuário desde que se leia pelo menos dois livros por mês, o que o coloca, de fato, entre os leitores regulares (mais de vinte livros por ano). O simples fato de procurar livros no catálogo, em vez de lê-los na sua totalidade, não pode justificar o custo do serviço para um leitor médio, até porque os sistemas de disponibilização de trechos se multiplicam nas plataformas de difusão de livros digitais.”

Ao contrário, pois a ideia envolve sobretudo portabilidade, em tempos de caos e cólera em relação à mobilidade urbana, o que envolve outros ativos da Nuvem de livros, como os audiobooks, por exemplo.

O parecer do “Le médiateur du Livre” reúne, ainda, dois outros ângulos de visão sobre o tema.

Uma primeira abordagem faz da assinatura um vetor de desenvolvimento de novos mercados, autorizando modos, até então inéditos, de exploração dos catálogos, mas também de editoração da oferta (uma resposta totalmente integrada à necessidade de prescrição que reforça a profusão e a dispersão dos bens culturais no universo digital).

Assim, a possibilidade de acessar um catálogo mais amplo por um custo controlado, em um contexto que favorece as descobertas fortuitas, teria por natureza a intensificação das práticas de leitura de um público já amplamente familiarizado com o livro.

Estudo da Nielsen Book argumenta que os assinantes de serviços de leitura digital continuam a gastar mais do que a média em compras de livros digitais e que eles estariam dispostos a investir uma quantia mensal em assinatura superior a fim de aumentar a oferta de livros.

Uma segunda concepção, não exclusiva da primeira, argumenta que esse modo de comercialização está em sintonia com os usos digitais: ele se dirige a gerações ou segmentos da população mais familiarizados com as telas que com o papel, que estão acostumados com ofertas que se curvam às suas exigências de mobilidade e busca de livros, tendo desenvolvido uma concepção de bens culturais que é oriunda mais do fluxo que da obra como unidade fechada. Além disso, a assinatura é totalmente integrada a seus hábitos e atende às suas exigências de acesso, o mais amplo e o mais fácil possível para a cultura.

Mesmo assim, o legislador cultural definiu, surpreendentemente, a meu ver, que tais serviços são ilegais na França porque o preço dos livros deve ser fixado pelos editores e não pelos vendedores.

Mas é assim que ocorre na Nuvem de Livros, com os editores sabendo, prévia e rigorosamente, por quanto estará sendo oferecido o acesso ilimitado ao acervo da plataforma.

Se vamos caminhar pelo mundo – e essa é a nossa intenção determinada -, oferecendo uma solução respeitável que traz um dinheiro novo e forma novos leitores para a cadeia produtiva do livro, interessa-nos discutir protocolos legais como este onde quer que sejam definidos e estabelecidos.

De forma ampla, sem preconceitos quaisquer.

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Roberto Bahiense é CEO da Biblioteca Digital Nuvem de Livros

 

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