* Por Bruno Inácio *

A Síndrome de Roach, romance de estreia do escritor e artista visual Fernando Cândido, é um provocativo mergulho na mente de um personagem que constrói a própria realidade a partir de percepções pouco convencionais. A obra, recém-publicada pela Mondru Editora, é narrada por um homem que se aproxima dos 50 anos de idade e se considera um fracasso em muitos níveis e aspectos.

Já nas primeiras páginas, o protagonista se mostra um narrador não confiável, em meio a paranoias, obsessões, anseios e distorções frequentes do real. Contudo, não demora a apresentar uma interessante visão de mundo, construída por meio de traumas envolvendo os pais, a cidade em que mora e até mesmo Clara, companheira com quem vive uma relação intensa e conturbada.

Victor Rocha, que muda de nome algumas vezes ao longo da narrativa, não é nem tenta ser uma pessoa comum. Vive recluso, tem medos irracionais e, embora sensível, é potencialmente violento. Por conta de todos esses fatores, tem uma trajetória marcada por rupturas e dissonâncias.

Cansado de tudo isso, tenta um recomeço em outra cidade. Conhece entusiastas de cinema, se força a sair e se envolve em uma confusão que pode ou não ter ocorrido como ele narra. A dúvida, aliás, é elemento presente ao longo de todo o romance e reflete, de certa forma, a constante desconfiança do personagem em relação a praticamente tudo que o cerca.

Em determinando momento, por exemplo, interrompe as sessões de terapia com medo de ter suas ideias roubadas pelo analista. E por falar nisso, a psicanálise é um elemento bastante relevante no livro, com referências a conceitos freudianos e lacanianos – sem cair no didatismo ou na roupagem “cult” tão comum à literatura contemporânea.

Nesse sentido, aliás, Fernando Cândido consegue evitar e até mesmo subverter vários clichês, a maioria em relação à construção de seu protagonista, um homem que é difícil de rotular e que certamente tem potencial para provocar leitores e leitoras.

Com uma narrativa composta por capítulos curtos, imprevisibilidade e muito movimento, A Síndrome de Roach abarca uma espécie de revolta contra a realidade, ao mesmo tempo em que traz um personagem com capacidade para enxergar a perversidade dos poderosos e a violência de seus atos cotidianos.

Em meio à loucura crescente e à desesperança de seu personagem central, o romance é uma sutil e eficiente metáfora sobre temas que vão da alienação do trabalho ao existencialismo. Ou, como disse muito bem o escritor e crítico literário Sérgio Tavares na orelha do livro, é “um estudo de personagem instigante, marcado pela incidência de questões filosóficas e psicológicas acerca do ser masculino”.

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.