* Por Bruno Inácio *

No retorno ao Brasil, após anos de exílio na Argentina, uma mulher encara as cicatrizes de seu passado e tenta se readaptar a um país que agora está assombrado e parcialmente destruído pela ditadura militar.

Com esse enredo, Os tempos da fuga, livro de estreia de Giovana Proença, apresenta uma narrativa tão intimista quanto perspicaz, ao abordar com sensibilidade e senso crítico um período histórico marcado pela brutalidade e pela prepotência.

Recém-publicado pela Urutau, o romance traz um título que não poderia ser mais adequado, já que a ideia de fuga é presente e capaz de alcançar significantes bem diversos ao longo de toda a narrativa.

As abordagens a respeito do tema contemplam não só os aspectos mais diretos – em geral ligados à perseguição do governo a pessoas vistas como subversivas –, mas também elementos mais subjetivos, como a reconstrução da própria identidade diante da violência que se instaura e se torna cotidiana.

Perante o perigo iminente, a obra ganha ritmo cada vez mais acelerado, o que proporciona à história a capacidade de colocar leitores e leitoras num movimento urgente e claustrofóbico, como se também temessem pelas próprias vidas.

A imersão não acontece por acaso. A autora habilmente constrói uma relação de identificação com a protagonista e arquiteta situações angustiantes, em que a curiosidade é atiçada por reviravoltas bem construídas e por um suspense que costuma dar as caras nos fins dos capítulos.

Outro aspecto ligado à imersão na trama e à identificação com a protagonista é um subtexto que faz rimas sutis (e necessárias) com a atualidade, uma vez que o romance demonstra, sem fazer menção direta aos dias atuais, que os militares nunca deixaram de ter adoradores em todo país.

A situação, bastante perceptível nos últimos anos, se torna ainda mais preocupante pelo fato de o Brasil nunca ter encarado esse período com a devida seriedade, ou seja, com punições adequadas a todos os envolvidos nas atrocidades cometidas.

Mas a verossimilhança não para por aí. Afinal, o trabalho de pesquisa realizado pela autora em jornais, livros e documentários é perceptível desde os elementos da arquitetura paulistana da época até o estilo de vida de trabalhadores rurais que chegaram da Itália.

Além de costurar de forma não linear uma história envolvente, Giovana Proença se destaca pela técnica bem definida, com diálogos verossímeis, personagens complexos, frases bem trabalhadas e referências sutis a obras musicais e literárias.

Assim, mais do que uma narrativa sobre o regresso, Os tempos da fuga é um mergulho na história recente do país e uma provocativa reflexão sobre uma violência que, de certa forma, se perpetua.

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

 

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