* Por Raquel Naveira *

CAMALOTES

Na cheia,

Os camalotes boiam,

Estufados corpos aquáticos

Que a correnteza leva;

Conjunto de leques duros,

Verdes,

Que se dissolvem no silêncio;

Aqui e ali um buquê de flores

Arrebenta lilás;

A malha fina de raízes

Apanha peixes,

Escamas,

Pés delicados de pássaros que pousam;

A canoa de folhas

Navega sem leme

Rumo à foz,

A pedra,

Ao mar que espreme E espuma.

 

ROUXINOL

Não seria capaz de reconhecer um rouxinol…

Será um pássaro roxo?

Terá na garganta um sol?

De onde veio o rouxinol?

Da China?

Da montanha azul?

Do primeiro arrebol?

Como voa um rouxinol?

Alto, sobre as montanhas?

Baixinho, contornando o rio?

O prado que parece um lençol?

Como canta um rouxinol?

Com notas suaves?

Com tons de outono?

Como alguém muito só?

Se abrisse a janela

Teria chance de ver entrar um rouxinol? Será que ele pousaria sobre a caixinha de música Ou sobre o meu cabelo em caracol?

Um pescador desavisado,

Que nunca tivesse visto um rouxinol, Poderia confundi-lo com um peixe Debatendo-se na ponta do anzol?

Quem faz da saudade,

Da dor,

Da melancolia,

Um grande rol, Deve trazer no peito

A pena de um rouxinol.

 

NUNCA-TE-VI

Lá perto da fronteira

Havia um lugar chamado “Nunca-Te-Vi”,

Nunca-te-vi…

Parecia que o passarinho mudara de canto

E agora, quando subisse na amoreira Ou passasse rasante no telhado, Deixaria recado muito mais sofrido: “Nunca-te-vi…”

Nunca-te-vi…

Nunca,

Nunca tem peso de eternidade,

Tem fatalidade de distância;

Nunca-te-vi

E, no entanto,

Isso que nunca vi

É a coisa mais importante da minha vida, É minha essência, É tudo que me falta.

Nunca-te-vi…

Ai, mundão de Deus!

Cheio de mato crespo,

De porteiras rangentes,

De garças longilíneas, De bois opacos Balançando as papadas.

Conheço tanto mistério Que já foi num lugar

Chamado “Nunca-te-vi”.

 

XI – SOLANO LÓPEZ

Sou a Pátria,

O Supremo,

O Grande Pai, Caraí Guasu.

Quando jovem vi o exército de Napoleão III,

O maior da Europa,

Quanto esplendor nos uniformes dourados!

Pensei:

O exército do Paraguai Será o maior da América!

E agora

Vejo os meus soldados

Cobertos de lama,

Lábios cerrados,

As mãos tensas

Segurando punhais desnudos.

Espalhei arte,

Instrução,

Templos,

Fartas colheitas

E agora

Vejo espectros de fome,

Criaturas inchadas, Rosadas de lepra, Vagando pelas estradas.

Sonhei com um “Paraguai Maior”,

Luminoso e livre,

Acreditei na força,

No Direito sustentado pelos canhões

E agora

Vejo traidores,

Conspirações de família,

Urdiduras de elites,

Mas eu me vingo

E vingo meu sonho

Colocando um capuz negro Na cabeça do carrasco.

Toquem “La Palomita”,

Beijem minhas mãos,

Quero aplausos,

Meu espírito se contorce ante o abismo,

Meu sangue gela de horror,

Mas até o fim

Continuarei sendo a Pátria,

O Supremo,

O Grande Pai, Caraí Guasu.

 

JAGUAR

Na selva,

Ao som de tambores,

Vive o espírito do jaguar.

Senhor das montanhas,

O sol negro do crepúsculo E a Estrela D’ Alva Alimentam suas entranhas.

Deus-Jaguar,

Jaguar-homem,

Salta com garras

E olhos de jade

Sobre o vale onde jaz A raça índia.

*

Os poemas acima integram Jardim Fechado – Uma antologia poética, de Raquel Naveira (editora Vidráguas), obra que comemora os 30 anos de carreira da escritora sul-mato-grossense

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