Por Sérgio Tavares *

À primeira vista, A repolheira, nova incursão de Claudia Nina na literatura infanto-juvenil, pode parecer uma história extraída do universo fabulado pelos irmãos Grimm. No entanto, a despeito do uso de vários elementos popularizados pelos contos seculares de Jacob e Wilhelm, a escritora carioca constrói uma adaptação para tratar de temas atuais como a reclusão/timidez, o preconceito e a autodescoberta através do afeto.

Numa aldeia “de poucas ruelas e vários casebres sem jardim”, que emula um tempo medieval, o sol é visita rara. Apesar de amistosos, os moradores, quase todos verdureiros, convivem com um grande mistério: a presença de uma mulher de nome desconhecido, sempre vestida com uma longa capa escura, que vende repolhos na última barraca da feira.

Sobre ela, correm comentários de que possa ser uma bruxa, uma doente com chagas por todo corpo ou apenas uma solitária. Quem se encoraja a comprar de suas verduras (já que os repolhos são vitais, pois “engrossam o volume do prato”), mal consegue ouvir a flexão da sua voz, somente palavras imprensadas em sussurros. Nada se revela da Repolheira, e o enigma acaba por integrar o cotidiano.

Até que, num certo dia, um homem bonito entra no povoado por engano. Montado sobre um cavalo, traz uma sacola com gana de comerciante. Faz algumas aquisições, então se depara com a barraca de repolhos. Ele fica curioso com o visual da vendedora, e resolve parar para conhecê-la. O que se passa, a partir de então, irá mudar para sempre a vida de ambos e remover, de suas vestes cinzentas, a aldeia invernal.

Ainda que sem princesa ou príncipe encantado, Claudia Nina cria um conto de fadas que se estrutura na concepção que conforma esses personagens. Tal como nas histórias dos Grimm, a possibilidade do sobrenatural paira no ar, do fantástico a serviço de interpretações reais. E, se não há uma intenção clara (ou mesmo subliminar) de moral, as últimas páginas são galvanizadas pela incidência de um desfecho edificante.

De fato, o principal feito do livro é usar do apelo fantasioso para chamar atenção para assuntos presentes, a exemplo da discriminação pela diferença, do preconceito, da baixa confiança em lidar com o outro, ocasionando o afastamento do convívio social. Vale ainda destaque para o esmero gráfico e os traços delicados da artista espanhola Raquel Díaz Reguera que, com tons escuros e pastéis, acerta no clima da história.

Além de uma fábula belamente escrita e ilustrada, A repolheira é também um instrumento para se elevar a autoconfiança de jovens e crianças.

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A repolheira, de Claudia Nina [Aletria, 50 págs.]

Avaliação: _pena-01_pena-01  [muito bom]

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Sérgio Tavares é escritor

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