* Por Roberto Muniz Dias *

Nossos Ossos é o primeiro romance de Marcelino Freire. Mas se engana quem pensa que a narrativa de Heleno, o herói da história, é pura prosa. Marcelino empreende uma verdadeira tessitura de palavras que vão rimando. O ritmo da leitura vai ganhando pausas, vírgulas vocativas, vírgulas explicativas como que criando um repente, uma epopeia.

E o Coletivo Angu de teatro coloca no palco, a partir de amanhã (11), no Recife, o texto adaptado pelo próprio Marcelino. O Ulisses de Marcelino, ou melhor Heleno, que não deixa de ser uma metáfora do próprio autor, um retirante nordestino que viveu e sucedeu na grande Selva de Pedras e que depois de sua missão cumprida, retorna para sua terra natal para requerer sua paz.

Como os personagens da epopeia, Heleno se taca para São Paulo não apenas pelas oportunidades, de vencer como grande dramaturgo, mas na esperança de encontrar Carlos, seu grande amor. Na cidade grande, Heleno não o reencontra, tendo que criar seus novos referenciais. Sozinho, redesenha sua trajetória através dos corpos dos michês. A solidão é aplaca pela companhia comprada, Cícero, também nordestino. E se aproximam pela memória afetiva do sotaque pernambucano. Mas Carlos não sai das visões em cartazes, espelhos dos arranha-céus, da multidão da grande São Paulo.

A peça, segundo o coletivo de teatro: “foi pensada sob a ótica do personagem central: o dramaturgo Heleno de Gusmão. Sua perspectiva, sua concepção de mundo, norteiam a dramatização da subjetividade dos eventos, como fragmentos de memória… Ele aparece em cena ora falando diretamente para o público, ora mergulhando no reviver de suas lembranças. Isso nos permite instaurar na cena distorções da realidade e valorizar o caráter simbólico de coisas e pessoas.”

Há uma simbologia nos ossos que Heleno e o irmãos desenterravam no quintal da pequena Sertânia. Os pequenos fosseis, os ossos humanos eram desenterrados como uma forma de redescobrir o valor do mortos, de suas histórias. As partes que compõem o livro vão dissecando o corpo humano como se fossem desvendando a importância dos componentes do todo. Não é macabro, é um jogo de quebra-cabeças existencial; nos destrinchamos para depois nos recompor. E é assim que a prosa-poesia de Marcelino vai nos surpreendendo como a intensidade do bate e rebate entre repentes.

No teatro, há permissão das linguagens, mas o trágico assume a condução do onírico, do metafórico, do metalinguístico. Para a peça estas linguagens se misturam com o cômico, a penumbra e a música, caracterizando uma experiência subjetiva e plural.

No livro, trilhamos o caminho de Heleno como se lêssemos um romance de formação. Ao final da jornada de Heleno, temos a epifania a que todos os artistas são acometidos. O escape para o absurdo, segundo Camus, seria o suicídio. E ao grande dramaturgo antes das cortinas se fecharem a tragédia deve ser encenada. Heleno cumpre sua epopeia e entre os ossos que tanto lhe deram sentido, ganhando o significado etéreo de uma grande ovação. “Cai o pano.”

Surpreendente, fabuloso e insólito!

O Coletivo Angu retorna aos palcos com a peça Ossos, encenando e dramatizando mais um texto do autor pernambucano. Em cena, os atores André Brasileiro, Marcondes Lima, Arilson Lopes, Ivo Barreto, Daniel Barros e Robério Lucardo. A trilha sonora é assinada por Juliano Holanda.

Serviço: Ossos, de Marcelino Freire 

Encenação do Coletivo Angu de Teatro

Direção: Marcondes Lima

Trilha sonora original: Juliano Holanda

Estreia: 11 de junho, as 21h

Temporada: de 11 a 26 de junho

Sextas, as 20h – Sábados, as 18h e 21h – Domingos, as 19h

Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife) 

Ingressos: R$20,00 inteira / R$10,00 meia-entrada

Informações: (81) 3355-3321

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Roberto Muniz Dias é escritor e pesquisador de literatura

 

 

 

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