* Por Sheila Kaplan *

Facundo Sarmiento, amigo de Jorge Luis Borges, é o curador da exposição Babel (in) Finita, que, depois de apresentação na Academia Nacional de Medicina, acaba de se transportar a novo pouso, a Academia Brasileira de Letras. Composta de primeiras edições e edições raras de clássicos da literatura ocidental, a mostra não poderia encontrar melhor lugar em seu intuito de encantar os que amam os livros. Todos os exemplares em exibição pertencem ao acervo do oncologista e escritor gaúcho Gilberto Schwartsmann (foto), que não esconde seu entusiasmo ao expor pela primeira vez um grande conjunto de sua coleção particular. Ainda assim, ele lamenta pelos livros que não foram incluídos na exposição. “Cada vez que vou à minha biblioteca sofro ao ver primeiras edições que não foram incluídas, como, por exemplo, as de ‘A peste’, de Albert Camus, e de ‘A metamorfose’, de Franz Kafka”, diz.

Não se trata de um desacordo com o curador Facundo Sarmiento, que, na verdade, é uma invenção do próprio Gilberto Schwartsmann. Ao se pautar pelo conto “A biblioteca de Babel”, de Borges, como fio condutor para a mostra, ele teve a ideia de criar este falso personagem, cujo nome remete ao escritor, intelectual e ativista Domingo Faustino Sarmiento, que foi presidente da Argentina de 1868 a 1874, e sua principal obra literária, “Facundo, ou civilização e barbárie”. “Utilizei um recurso bem borgeano, a mentira. Borges adorava criar autores falsos e obras inexistentes, e Sarmiento era uma das suas grandes paixões”, conta o colecionador, que usa textos do autor de “O Aleph” ao longo de toda a exposição.

Entre os livros mais notáveis presentes em Babel (in) Finita estão uma edição da “Ilíada”, de Homero, de 1715, traduzida pelo poeta inglês Alexander Pope (“a melhor tradução, na minha opinião”, diz o bibliófilo); e as primeiras edições de “Ulisses”, de James Joyce, “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. “As primeiras edições têm uma mágica própria, a marca de origem daquela obra. É como a aura de que falava Walter Benjamin”, diz o médico, que, como todo colecionador, já fez loucuras para obter algumas peças de sua coleção, em que figuram mais de duzentas edições de “A divina comédia”, de Dante Alighieri, uma de suas grandes admirações literárias, ao lado de Proust, sobre quem organizou a exposição “Caminhos de Proust” na Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, em 2022, em homenagem ao centenário de morte do autor francês.

Para Schwartsmann, mostrar seu acervo ao público é como expor suas próprias entranhas. Ele reuniu, logo na primeira estante da mostra na ABL, como boas-vindas ao visitante, edições de Homero, Shakespeare, Cervantes, Proust, Kafka e Joyce, a nata do cânone ocidental. O bibliófilo cita a célebre definição de Ítalo Calvino sobre um clássico – “um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” – e acrescenta: “A gente encontra nesses livros tipos com que deparamos todos os dias, como, por exemplo, no caso de Shakespeare, o dissimulado Iago e a ambiciosa Lady Macbeth”. Seu objetivo ao expor seu acervo, diz, é levar os leitores a enxergarem a literatura de forma mais ampla: “Ler expande a existência”.

 

 

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