* Por Ricardo Pecego *

Sinto-me extremamente feliz quando a literatura faz mover meus sentidos, aguça minha percepção do entorno e obviamente me transforma. Acredito que toda leitura seja capaz destas façanhas, contudo, esta em especial causou a vontade de escrever sobre ela. Quase um ano após o início da pré-venda do livro: Se eu não posso ser quem sou, de Leila de Souza Teixeira (Editora Zouk),  finalmente tive a oportunidade de ler seu primeiro romance.

Além de uma edição muito bem realizada, dos grandes nomes que fizeram orelha (Ana Elisa Ribeiro), quarta capa (Luiz Ruffato) e prefácio de Juliana Borges, a história que envolve Geórgia, seus amigos de trabalho, seu namorado e família mostram que a autora em seu não pestaneja em nos tirar do prumo, pois balança com força os alicerces do que se cristalizou como: vida, em nossa sociedade.

Atenta à queda do céu, Leila consegue expor um problema central, que somos capazes de perceber, mas permanecemos paralisados à busca de sua solução: de que estamos caminhando para nossa própria extinção, cavando nossas próprias covas a cada vez que recebemos o entregador com nossas compras em casa, que jantamos fora, que participamos de eventos, etc. Essa é uma ação muito complexa dentro da escrita, para que não se torne panfletária (ponto para Leila). Esse choque cultural acontece dentro dos pensamentos que Geórgia compartilha conosco. Todo jogo psicológico deste confronto entre no sistema límbico da personagem, recheado de interrogações, deduções e comparações nas quais utiliza a repartição pública gaúcha que trabalha, como amostragem, são camadas sutis que a autora propicia ao leitor uma vista mais adiante em seu horizonte.

Não cabe a mim pautar as teorias e referências de Leila, muitas estão explícitas na obra, pois seu romance consegue ter fôlego de sobra para se firmar entre as diversas escolas de pensamento que tentam compreender o ser humano e os vínculos entre seus objetivos de vida em contraponto ao ambiente insalubre a que ele se coloca para buscá-los.

Geórgia consegue dentro de sua humanidade desenvolver uma ótima percepção de si, dos que a cercam e busca, num ócio solitário muitas vezes, digerir todas as nuances que o convívio em diversos níveis lhe oferece. Como é prazeroso fazer este exercício com ela.

Num trunfo que considero brilhante no livro, a autora traz à discussão o ativismo e seus respectivos níveis de atuação. Ela consegue levar Geórgia a efetiva ação. Um cenário raro diante de uma enormidade de “personalidades do bem”, no meio ativista. Ela não cria o panorama mental do problema e segue no paradigma destes que duelam por likes, tentando dar lição de moral na sociedade, ao mesmo tempo que se permitem extravagâncias, como se sua postura compensasse sua atitude. Ela leva Geórgia ao minimalismo ao real baixo impacto, à felicidade.

Leila nos traz a possibilidade de que alguém com boa graduação, concursada e com a vida estável possa continuar na busca, para nosso bem, em resolver parte da instabilidade que nos cerca. Tal qual Manoel de Barros na sua eterna busca pela compra do ócio, o que lhe permitiu ser poeta.

 

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