Por Alexandre Staut *

Houve um momento, quando era bem jovem, entrei em contato com a poesia dita marginal carioca, representada, entre outros, por Ana Cristina Cesar, Cacaso, Chacal.

Foi em 1994, em Bauru, onde fazia faculdade de jornalismo. Eles me ajudaram a entender o que é um poema. Senti uma revolução em mim.

Quando soube que muitos dos marginais divulgavam suas obras na porta de cinemas, em bares, tive vontade de ter vivido no Rio, dos anos 70, de participar daquilo que achava ser uma mistura de literatura e festa.

Em 1995, lancei um livro de poemas (ruins) editados por amigos da faculdade. Eram cópias de versos da Ana Cristina Cesar, Cacaso, Chico Alvim.  Nenhum dos poemas resistiu ao tempo, na minha opinião, e a experiência fez com que eu virasse um marginal tardio.

Nas festas de Bauru, levava a tiracolo dois ou três livros e os tentava vender. Quase nunca conseguia, então eu distribuía os volumes. Certa vez, tentei vender alguns na porta de um cinema. Mas, sempre que ia abordar alguém, pensava: puxa, o cara está vindo ao cinema para sair um pouco da realidade. E eu vou tentar convencê-lo que ele deve enfiar a mão no bolso e me dar dinheiro. Sem contar que pouca gente lê poesia no Brasil. Como ouvi, depois, Luiz Ruffato dizer, e eu acredito nisso, em cada país, há apenas 1.272 pessoas que gostam de poesia, não importa o tamanho da sua população.

Metade dos meus livros encalharam. Estavam até pouco tempo empilhados num guarda-roupas na casa da minha mãe, quando resolvi fazer uma fogueira.

Acho que além de ser poeta, escritor, jornalista, sou alguém que acredita na comunicação. Isso me trouxe até o Sesc esta noite.

Por acreditar nisso, continuei a escrever… a fazer matérias e reportagens para jornais e revistas, e a escrever literatura. Não mais poemas, pois perdi a mão para a poesia.

Tornei-me leitor de romances e acabei me especializando, se é que posso dizer assim, em fazer histórias mais longas.

Lancei dois romances, um em 2010 e outro em 2012. E percebi que não adianta lançar livro e deixá-lo guardado na gaveta. Como diz Antônio Cícero, poeta que adoro, em cofre não se guarda nada, em cofre, perde-se a coisa de vista.

Ao lançar esses livros, percebi que escrever um livro é a parte mais fácil no processo da literatura. É preciso escrever, corrigir, editar, oferecer às editoras, brigar com editores para que os livros saiam bem feitos, é preciso que os livros estejam nas melhores livraria, que se façam mil e um lançamentos, é preciso pedir uma notinha sobre a obra para aquele amigo gentil que trabalha num site, um programa numa estação de rádio, mesmo que seja uma estação obscura, na madrugada.

Enfim, é preciso ser um pouco caixeiro viajante. Colocar livros debaixo dos braços e sair oferecendo a obra, como faz o pessoal do Cordel, enfim, como se faz desde a Idade Média, quando se recitava trovas nas praças e festas.

Não adianta lançar um livro e deixar que ele aconteça por si só. Hoje em dia, é preciso pegar o microfone, mesmo que você seja super tímido, meu caso, e falar sobre a obra.

Neste momento, a divulgação literária está em alta e em baixa ao mesmo tempo. Temos os jornais tradicionais que estão morrendo. E que pouco ou nenhum espaço dão a quem já não tenha prestígio. Mesmo os jornais e revistas impressos especializados em literatura vão morrer já já.

Vão ficar os sites, blogs, facebook, twitter, instagram. E esses meios vão ser os mais eficientes para divulgação de nossos trabalhos literários.

Não adianta tentar seduzir fulana, que escreve críticas no jornal X, ou cicrano, que tem uma coluna semanal, curtindo toda e qualquer bobagem que publicam no facebook, para tentar ganhar a sua simpatia. Assim como os jornalões, eles são arrogantes e também só tem olhos a quem tem prestígio, lança por editoras grandes, ou para os seus amigos. Bem, nem por isso devemos desistir de mandar nosso trabalho à grande imprensa.

Quando lancei meus dois romances, não tinha padrinho ou madrinha e muito menos prestígio. Acabei divulgando meus trabalhos em blogs, conseguindo um leitor aqui e outro ali. Até que tive uma ideia: se eu não tenho espaço na mídia tradicional e já que sei fazer jornalismo, de ponta a ponta, por que não crio eu próprio uma revista literária?

Com o papel caro e vendido em dólar, o meio escolhido foi o ambiente digital. Assim nasceu a revista São Paulo Review, inspirada nas reviews inglesas, na francesa, em americanas. Num primeiro momento, o espaço tinha outro nome e serviria para divulgação dos meus livros e de amigos.

Chamei Viviane Ka, que é do mercado editorial, para trabalhar comigo, e colocar em pé a ideia. No começo do processo, percebemos que o espaço podia ser um meio de divulgação não apenas do nosso trabalho, mas de escritores nacionais ou não, em geral.

Claro que temos uma curadoria, e fui buscar nomes nos quatro cantos do Brasil… Maria Valeria Rezende, Flávia Gusmão, e até fora daqui, como professor Leonardo Tonus, que faz um trabalho hercúleo de divulgação da literatura contemporânea nacional na França; ou Fabiana Gitsio, que traz novidades da Argentina.

Já rejeitei conto de um escritor conhecido, pois fazia juízo de valores no seu texto. Falei isso para ele, que concordou e até me agradeceu. Publico também autores de primeira viagem. Alguns que nunca haviam publicado nada, nem em blogs.

A ideia da revista é ser um espaço anti-esnobe, apesar do seu título, um tanto pomposo. Trabalho muito para que ela continue no ar, mesmo sem dinheiro, ou pouco. Acabo de conseguir um apoio muito bem-vindo da Nuvem de Livros, outro projeto no ambiente digital que admiro muito. Trabalho em média quarto horas por dia, neste projeto… falando com colaboradores, escrevendo e respondendo e-mails, pedindo direito de fotos, ou então corrigindo, fazendo a preparação e editando contos.

Há pessoas maravilhosas que acabaram adotando o meu projeto, caso do escritor Sergio Tavares, que sempre manda críticas, apresenta um ou outro autor, sugere séries, como a ‘Gerúndio a dois’, que reuniu contos de autores conhecidos (Elvira Vigna, por exemplo), ao lado de outros nem tanto, em que todos deviam atuar na presença de autores que fossem seus ídolos. Houve quem recebesse na sala de casa Hemingway, ou dialogasse com Cortázar.

Em meio a este trabalho, ainda preciso acordar bem cedo para cuidar da minha própria literatura. Escrevo todos os dias pela manhã, pelo menos dois ou três parágrafos do livro que estou trabalhando no momento. E ainda preciso ir atrás de dinheiro, para que a literatura não se transforme num sonho não realizado, numa frustação.

Faço tudo isso pois gosto e acredito no poder da comunicação. Quando penso no trabalho dos trovadores medievais ou nos poetas marginais cariocas dos anos 70, acabo percebendo que, para o escritor, a internet se transformou numa praça, ou na entrada do cinema. Não sei no que isso vai dar, não sei mesmo, mas percebo que, de alguma forma, o trabalho não é em vão.

Uma vez ouvi Hoellebecq dizer, numa entrevista, que escrever literatura hoje em dia é como entrar numa cabine telefônica e discar desesperadamente para um número qualquer, esperando que alguém atenda, do outro lado da linha. Aí você tem que seduzir o cara, fazer com que ele não desista da ligação e desligue o telefone.

Já que esta série de encontros no Sesc é sobre literatura alternativa, gostaria de dizer que a literatura hoje em dia tem o dever de ser alternativa, seja ela lançada por editoras pequenas, ou pelas grandes. A literatura que se preza deve ser uma alternativa ao mundo de guerras e vaidades que vivemos hoje. E o escritor precisa encontrar um meio para sua divulgação, mesmo que na maior parte do tempo se sinta falando sozinho numa cabine telefônica, que é como eu me sinto muitas vezes.

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Alexandre Staut é escritor, criador e editor da revista São Paulo Review 

** O texto acima foi lido, na noite de ontem (dia 22), na série de discussões sobre Literatura Alternativa, criada pelo Sesc Consolação, da qual o autor participou de uma mesa ao lado da escritora e jornalista Elizandra Souza. 

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