* Por Cristhiano Aguiar *

É no crepúsculo da própria existência que conhecemos Elias Ghandour, protagonista e narrador deste inquietante romance escrito com rara habilidade pelo paulista Marcelo Maluf. A narrativa se inicia com Ghandour – ou seria um ator o interpretando? –declamando um monólogo sobre a própria vida em cima de um palco. Mas é, de fato, uma peça-dentro-do-romance que a leitora e leitor têm em mãos, ou tudo não passa de um delírio do seu narrador? Esta é só uma das perguntas que nos fazemos ao longo da leitura de Os últimos dias de Elias Ghandour: esse é um romance escrito sob o bem-vindo signo da ambiguidade.

Enquanto caminha pelo palco, ou pela sua imaginação dramatizada, Elias Ghandour passa a sua vida a limpo seguindo as marés imprevisíveis da sua memória. Sua sexualidade, seus pais e sua irmã, sua família, seu amante e suas amizades nos são apresentados sob o pano de fundo histórico não só da vida social brasileira, como também da origem árabe do narrador. Ghandour procura tanto um balanço da sua vida, quanto um pleno conhecimento de si. No entanto, e aqui reside uma das forças do romance, a escrita de Marcelo Maluf parece nos dizer que o autoconhecimento não é um ponto de chegada, mas sim um exercício, uma vocação, de construir e de refazer a si mesmo. Ghandour parece falhar nesta jornada da vida? Cabe a cada um de nós ponderar a resposta possível.

Memória, história e subjetividade assumem, ao longo do romance, uma dimensão não só de incertezas, como também insólita. Embora não lance mão do sobrenatural, Os últimos dias de Elias Ghandour é construído em parte numa atmosfera e imagética dos romances fantásticos espectrais, violentos. Teatro, imaginação e delírio servem, na prosa de Maluf, para expandir as fronteiras do realismo. A busca pela experiência de uma verdade, neste romance, se intensifica na poesia imaginativa de sua prosa, que retorce e põe em cheque certezas sobre a realidade em si.

Aos leitores e leitoras que se encantaram com o seu romance anterior, A imensidão íntima dos carneiros, livro que consagrou Marcelo Maluf como um dos autores mais originais da literatura brasileira contemporânea, Os últimos dias de Elias Ghandour não decepcionará. Pelo contrário, o romance reforça a originalidade e a maturidade de sua voz como romancista.

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Os últimos dias de Elias Ghandour, de Marcelo Maluf (Faria e Silva, 208 págs.)

Lançamento na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, dia 15/09, das 18h às 21h.

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Cristhiano Aguiar é crítico literário, professor e escritor, autor de Gótico nordestino.

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