Um retrospecto de doze anos de crônicas de Mariana Ianelli, Turno da madrugada (Editora Ardotempo) reúne textos publicados originalmente nos sites Vida Breve, revista digital RUBEM e jornal Rascunho. Abrangendo o período de 2010 a 2022, os motivos de prosa são vários, sempre em tom de conversa: notícias de casa, do Brasil e do mundo, datas comemorativas, temas literários, memórias afetivas de família e amigos, infância e maternidade (essas últimas, presentes no livro sobretudo a partir de 2016, com a chegada de Yolanda, filha da autora).

 Nesse arco de tempo, o leitor poderá sentir as variações de cor e atmosfera da nossa época, com o advento da pandemia, os descalabros do governo então vigente, sob o céu dos helicópteros, com a população armada e balaclavas nas esquinas, e dentro desses quadros mais fechados, tanto quanto nos quadros mais leves, está o mesmo coração de cronista, marcando seu pulso, praticando sua indignação, sua telepatia e suas alegrias possíveis.

 Um verso de Novalis de repente toma a atmosfera do dia e desencadeia uma crônica, uma notícia se mistura a uma lembrança de sonho ou de livro, palavras raras saltam do dicionário para a língua viva, parábolas, histórias de gente anônima, tudo isso que faz parte da vida se escrevendo em suas entrelinhas ocupa a atenção da autora nesses textos, em geral curtos e dotados de ritmo. Também guarda um sentido próprio que todas as crônicas tenham sido publicadas originalmente aos sábados: o sentido desse sábado, para a cronista, é considerar uma parcela de sombra, o poético incorporado à prosa da vida, algum mistério, algum assombro à espreita, entre tarde e manhã, que continua à luz do dia.

 Há um temperar de luz e sombra em Turno da madrugada, um olhar para as nuances dos acontecimentos, as ambivalências e humanas contradições. Se a miséria grassa pelas ruas, também os ipês explodem em amarela floração, e da coexistência fantástica dessas faces, dessa matéria compósita dos dias, vem a crônica, que tem olhos para tudo. Assim o leitor vai captando, nesse modo de ver e de dizer da autora, suas afinidades, seu acento poético, seu sabor agridoce e seu espírito tão devaneador quanto reflexivo.

 Os quatro livros anteriores de crônicas de Mariana Ianelli (Breves anotações sobre um tigre, Entre imagens para guardar, Dia de amar a casa e Prazer de miragem), que serviram de matéria para a seleção desse livro, tiveram textos de orelha e apresentação de diferentes nomes da crônica brasileira: Ignácio de Loyola Brandão, Luís Henrique Pellanda, Ana Miranda, Henrique Fendrich (editor da revista RUBEM), Cícero Belmar, Alexandre Brandão, Ângela Vilma e Tiago Maria. Em Turno da madrugada, o texto de orelha é da poeta e cronista baiana Kátia Borges, que vê nessa escrita de “assombros cotidianos” expirações que “subvertem as técnicas comedidas da respiração da Yoga”. Para Kátia, é com “o coração nas mãos” que lemos essa antologia.

Tags: