Por Angelo Mendes Corrêa e Itamar Santos *

Apaixonada pela profissão que exerce há quatro décadas, Nanete Neves construiu uma sólida história no jornalismo paulistano, passando por redações de vários jornais, revistas e televisões. Além disso, tem atuado como consultora de comunicação em grandes empresas, editora e professora em oficinas de escrita.

Pela editora Pasavento acaba de publicar O Poeta e a foca, no qual, com uma escrita saborosa e sedutora, narra como foi conseguir a primeira entrevista de Carlos Drummond de Andrade para a imprensa, no ano de 1977. Ler  O Poeta e a foca é, como bem disse poeta e editor Edson Cruz, “uma aula de jornalismo e de seus bastidores”.

Pode nos contar um pouco de sua história e da história de sua família? Meus pais eram filhos de imigrantes portugueses que aqui chegaram logo depois da 1ª guerra mundial, fugindo das péssimas condições de vida em seu país. Em busca de paz e progresso, aqui eles trabalharam duro. Meus avós maternos optaram pelo comércio e o mesmo fez minha mãe, quando se casou com meu pai, em 1949. Abriram um pequeno bazar e papelaria no Alto da Mooca, bairro tradicional paulistano, que foi inteiramente colonizado por imigrantes europeus. Tiveram três filhos, sendo eu a do meio.

Quando o encontro com o universo dos livros? Cresci dentro da loja (o BiluBilu), ajudando meus pais no balcão. Aproveitando o pé direito muito alto, meu pai construiu um mezanino ali para os filhos estudarem. Quando não havia movimento, eu brincava, bordava ou devaneava, inspirada pelos livros que pegava da estante, sobretudo os da Coleção Jabuti (quem é mais velho vai se lembrar daquelas capas verdes, listradas em bege). Foi assim que muito cedo tomei contato com José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, José Lins do Rego etc. e com eles aprendi a vivenciar outros mundos.

A quem se deveu a opção pelo jornalismo? Seu José, o meu pai, era um excelente prosador, o que fez daquele balcão um centro de debates. Ali discutia-se de tudo. Proativo, logo depois que eu nasci, ele lançou um jornalzinho que pudesse ser a voz dos mooquenses e essa publicação acabou se transformando no primeiro jornal de bairro de São Paulo.  Ou seja, fui criada dentro de uma loja que também editava um jornal. Isso me despertou para a escrita e a comunicação. Daí foi bastante natural optar pelo curso de jornalismo na faculdade.

Como era o dia a dia das redações em meados dos anos 70, quando começou na imprensa? Nos anos 70 só havia em São Paulo duas faculdades de jornalismo: a Cásper Líbero e a ECA USP. Mas bem no ano em que fui prestar vestibular foi aberta mais uma, a Metodista, em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, que foi onde estudei.  E como o curso era novo e havia poucos professores com pós-graduação, tivemos como mestres grandes profissionais de imprensa, o que foi excelente, pois saímos da faculdade prontos a encarar qualquer redação. Naqueles tempos do jornalismo movido a lenha e paixão, muito antes do Google, não havia a pauta como acontece hoje, onde tudo chega ‘mastigado’ para o repórter. O jornalista tinha que ser versátil, ter amplo conhecimento de vários assuntos e dominar alguns idiomas para conseguir trabalhar e se sobressair.  Quando éramos escalados para cobrir algo, o chefe de reportagem nos dizia: “Ouvi dizer que está acontecendo algo naquele lugar. Vai lá e se vira!”.

A ideia de entrevistar Carlos Drummond de Andrade, por seus 75 anos, surgiu de que modo? Meu primeiro emprego na imprensa foi num jornal relativamente pequeno que era semanal e distribuído gratuitamente nas residências dos bairros mais nobres da capital, o Shopping News. Esse jornal publicava todo domingo as crônicas de Drummond, compradas da agência do Jornal do Brasil. Em outubro de 1977, quando Drummond estava para completar 75 anos, sabendo que ele nunca havia dado uma entrevista, o Shopping News resolver fazer uma matéria sobre o poeta e sorteou entre os repórteres aquele que iria ao Rio ‘conseguir o que pudesse’. E eu, recém saída do estágio e que era a com menos experiência ali, fui a sorteada.

Com pouco mais de 20 anos, tinha real noção da importância de Drummond na literatura brasileira? Aos 24 anos eu não tinha essa noção. Sabia apenas que ele era um grande poeta, um escritor importante e alguém que toda a vida fugiu da imprensa. Só isso.

Chegar ao poeta itabirano não foi  tarefa fácil. Quais os principais percalços para que isso acontecesse? Eu nunca havia viajado de avião, não conhecia o Rio de Janeiro, nem conhecia ninguém lá. Uma colega de redação me deu o telefone do José Louzeiro (escritor e dramaturgo). Ele me recebeu dizendo para esquecer, que jamais Drummond me receberia. E que só poderia colaborar me dando o telefone de alguns amigos dele. Foi abrindo a agenda e, seguindo a ordem alfabética,  me passou os telefones de seis nomes: Affonso Romano de Sant’Ana, Antonio Callado, Antônio Houaiss, Ferreira Gullar, Nélida Piñon e Pedro Nava. Eu podia não saber de toda a importância deles, porém, na hora, reconheci que eram todos muito importantes. Cada um deles que forneceu outros contatos. Então não posso dizer que tive percalços. Tive sim foi muita sorte. Todos foram me contando histórias de Drummond, suas esquisitices. E dessa maneira foram me preparando para o grande encontro com o mito. Digo até no livro que talvez o anjo gauche do poeta tenha me ajudado nessa jornada toda.

Que lembranças mais marcantes guarda do encontro com o poeta de A Rosa do PovoMe falaram tanto das idiossincrasias do poeta que fui me preparando para me encontrar com um ogro. No entanto, me deparei com um senhorzinho meigo, simpático, acolhedor e interessado de verdade nas pessoas. Tanto que, em nosso encontro no apartamento dele, talvez ele tenha feito mais perguntas a mim do que eu a ele.

Além do encontro com Drummond, que outros momentos vê como relevantes em mais de 40 anos ininterruptos como jornalista? Na verdade, não foram 40 anos ininterruptos. Depois de haver trabalhado em rádio, jornal, TV e revistas, exerci a atividade de assessora de imprensa voltada para a área cultural, por 15 anos. É uma das funções do jornalismo, só que do outro lado do balcão, como costumam dizer. Isso me abriu muitos contatos no meio cultural e social brasileiro. Depois, ainda dei consultoria de comunicação para grandes empresas. E somente perto de completar os 50 anos é que  voltei aos estudos. Queria me capacitar para trabalhar com o universo do livro que sempre foi a minha grande paixão. Hoje, além de autora, também atuo como editora, faço leitura crítica, dou coach para autores e ainda ministro oficinas de escrita.

Algum conselho aos jovens que hoje se iniciam no jornalismo? Hoje o jornalismo que se faz é completamente diferente daquele de quando comecei, me parece mais congelado e técnico apenas.  Escrever esse O Poeta e a foca mais do que um grande exercício de memória, foi reviver a garra com que defendíamos a pauta naqueles tempos. Gostaria que esse espírito contaminasse não apenas os aspirantes ao jornalismo, como todos os jovens iniciando outras carreiras. Ele fala de trabalhar com paixão, vencer obstáculos.  Só quem consegue o que era tido como impossível sabe o prazer que é isso.

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Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestrando em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista

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