* Por Bruno Inácio *

Em seu primeiro romance, O barulho do fim do mundo, a escritora Denise Emmer mostra que tem na prosa a mesma potência que a consagrou na poesia. A obra, publicada pela Bertrand Brasil, apresenta uma narrativa concisa em que o realismo mágico caminha com naturalidade entre a leveza onírica e a violência cotidiana desde as primeiras páginas.

A história tem uma narradora nada convencional: uma casa capaz de amar, sentir saudades, se enfurecer, adoecer e até se preocupar com a própria aparência. É ela quem conta sobre Amiudinha, uma vítima de abusos físicos e psicológicos por parte do padrasto e da mãe. A jovem integra um ambiente em que seu papel parece se resumir a servir e obedecer, além de ser alvo de constantes piadas e outras formas de humilhação.

Em um ambiente isolado e sem grandes perspectivas, Amiudinha se vê acuada num cotidiano de brutalidades que nunca cessam. Ocupa, ainda que a contragosto, o seu dia a dia com tarefas indigestas e repetitivas, situação que começa a mudar a partir da chegada de Lanterna (um cão protetor que vem da floresta) e do nascimento de Céu, filha de Amiudinha.

A partir daí, o trio passa a viver isolado num cômodo da casa, sob a proteção de Lanterna, enquanto o padrasto e a mãe se afundam no caos sem ter alguém para fazer os trabalhos domésticos. O caos dá lugar ao desespero e rapidamente os antagonistas começam a traçar planos para trazer Amiudinha de volta ao “seu lugar”.

Nesse ponto da história, a atmosfera claustrofóbica provoca no leitor e na leitora uma inquietação que se manifesta, sobretudo, por meio da revolta e da preocupação com o destino de Amiudinha, Céu e Lanterna. A construção dessa tensão se dá pouco a pouco, capítulo a capítulo, graças a elementos subjetivos destacados pela casa ao narrar os acontecimentos.

Mais à frente, o que ganha espaço é uma interessante tentativa de redenção da mãe após conhecer Céu, como se tivesse passado por uma epifania. O comportamento se contrapõe ao que adotava até então, inclusive quando prefere levantar várias teorias para esclarecer a gravidez de Amiudinha, menos a mais óbvia.

Outro destaque é a linguagem poética adotada pela autora, algo que exige bastante sensibilidade e técnica, sobretudo por conta dos temas violentos e incômodos abordados ao longo de todo o livro.

“O barulho do fim do mundo” é uma narrativa corajosa e repleta de metáforas bem construídas sobre abusos, negligência e machismo. É um romance de estreia memorável não apenas pela força de seu enredo, mas, principalmente, pela originalidade de Denise Emmer ao dar voz a uma casa com tanto a nos contar.

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

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