Por Edgar Morin *

Antes de tudo, compreender as condições propriamente francesas que levaram jovens franceses ao fanatismo da jihad.

Há as condições de vida nas periferias onde estão concentradas populações de origem árabe-muçulmana. Essas condições são as de uma crescente guetificação.

Nas periferias, formam-se bandos de adolescentes que, como todos os adolescentes, adoram transgredir. Os bandos viram gangues quando as famílias estão desintegradas e os adultos desempregados. As gangues vivem do roubo e da droga, e uma parte dos adolescentes mergulha na delinquência. Isso ocorre também nas favelas brasileiras ou colombianas.

Mas na França há uma diferença em relação a esses países nos quais os delinquentes são de origem local. Na França, os delinquentes são frequentemente de origem imigrada.

Os controles policiais que se baseiam em fisionomias são brutais. Os “erros” recorrentes levam os jovens a combater a polícia a pedradas, a incendiar viaturas.

Um círculo vicioso alimenta a rejeição e a agressividade para com esses jovens, o que favorece o fechamento no gueto, nas solidariedades de origem. As hostilidades se alimentam reciprocamente, constituindo barreiras cada vez mais instransponíveis à integração.

Uma pequena parte dos adolescentes caiu na delinquência. Os outros encontram trabalho, proteção, amizade e amor que salvam. Mas todos sofrem e sentem a rejeição.

Os rejeitados rejeitam aqueles que os rejeitam. Uma parte desses jovens não se sente francesa, mas privada de pátria. Alguns deles, delinquentes, encontram nas prisões mentores que lhes inculcam o islã numa versão fanática. A prisão, escola do crime para uns, torna-se para outros escola da salvação. Para eles, esse é o caminho da redenção e da verdade. Você não pode ser um verdadeiro francês, mas pode se tornar um verdadeiro muçulmano. Eles encontraram o caminho do bem e da verdade. Ao mesmo tempo, é o caminho do combate pelo bem que pode ir até o martírio, considerado por sua vez o caminho do paraíso.

Ora, a intervenção dos Estados Unidos e de seus seguidores, entre os quais a França, é tão impotente, cega e ilusória quanto o foram as intervenções norte-americanas precedentes.

A impotência. Os líderes da coalizão anti-Daesh declararam previamente que não interviriam enviando tropas terrestres, mas apenas por meio de ataques aéreos. As tropas dos países árabes anti-Daesh são fracas e divididas. A coalizão inclui a Arábia Saudita, cujo regime se aproxima daquele que o EI sonha instaurar. Essa guerra comporta aspectos que pareceriam grotescos se não fossem trágicos: o Ocidente combate o regime de Assad, mas é seu aliado contra o EI e se beneficia de seus serviços de informação. O Ocidente é hostil ao Irã, mas na prática é seu aliado já que o Irã apoia militarmente o poder xiita iraquiano. A Turquia é mais hostil aos curdos da Síria, irmãos dos curdos da Turquia, do que ao Daesh.

A cegueira. O intervencionismo ocidental intensifica a decomposição das nações do Oriente Médio, decomposição que, em grande parte, foi ele próprio que provocou. A segunda guerra do Iraque levou a uma desintegração irremediável dessa nação. A guerra ao mesmo tempo civil e internacional na Síria decompõe esse país de maneira não menos irreversível. A Líbia se encontra em estado caótico após a intervenção francesa. A frágil unidade dessas nações multiculturais e multirreligiosas recentes, criadas artificialmente pelo Ocidente sobre as ruínas do Império Otomano, encontra-se destruída. Ditadores imundos foram aniquilados, mas teriam morrido mais cedo ou mais tarde, ao passo que, assim, nações inteiras foram mortalmente atingidas. Os horrores das guerras civis travadas em âmbito internacional se sucedem ao horror das ditaduras impiedosas.

A ilusão. O objetivo dos ocidentais no Oriente Médio é a restauração dos Estados-nações já decompostos. Porém, só existe uma única e verdadeira meta a opor ao califado do EI: a confederação do Oriente Médio, à imagem amplificada do Líbano, que respeitaria a autonomia e a liberdade das diversas etnias e religiões ali implantadas, entre as quais o cristianismo.
Chega um momento em que o conflito apodrece. O conflito no Oriente Médio apodrece em sua mistura de guerras civis, de guerras religiosas e de guerra internacionalizada pela intervenção de várias potências.

A não ser que haja uma completa mudança de direção, tudo se agravará, inclusive na França.

*

Edgar Morin é filósofo e sociólogo francês de origem sefardita. O texto acima integra o livro Quem é o Estado Islâmico? (Ed. Autêntica, 128 págs., organizado por Éric Fottorino)

 

Tags: