S ede

 

diante deste poço que água não me deu

quando por ele passei sedento

por algo de concentrado, poção, concedo

posso ter passado demasiado cedo

na boca portando um quebranto seco

‘desta água não beberei’

que feito pedra, ao passo que a fonte

afunda, concêntrico reverbera

 

passei cedendo à sede, mas de esguelha fitei

as concêntricas pedras excedentes da terra

invertida torre, no fundo sentinela

o sol secando sua boca silente que talvez

também como a minha sede tivesse

e se pôs em lembrança recorrente

para que certo dia portando sede diversa

me concedesse algo do fontanário inverso

 

mas caso assim tampouco fosse

por ter passado demasiado tarde

ou em outra fonte a sede matado

antes cedo que tarde eu possa

ceder aquilo que deste-me poço, este passe

que em cada um reverbera com a forma

não de sua fala, mas de sua sede

feito água de poço, que concentra e eleva.

*

Jardineiro de palavras, Mauricio Vieira (Santo André, 2 de janeiro de 1978) já morou em muitos lugares, mas sua casa é a poesia. Autor de A árvore oca (Motor, 2018), Manual onírico de jardinagem (Glaciar, 2018), Floresta (Raiz, 2021) e As mãos vazias (Húmus, 2022). Edita a revista de poesia Arvoressências desde 2014.

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