* Por Raimundo Neto *
Quando Elas marchavam sob o sol (Dublinense, 160 págs.) começou em mim, percebi que havia um convite para a entrega, e também para a mudança.
No romance, Cristina Judar inventa linguagem e sentidos, rumos e práticas de magia e resistência, caminhos de revelação e vulnerabilidade. É possível sentir que a marcha de corpos em fluxo – e ideias em vias de transgressão – é revolução iniciada nas palavras inventadas e no “glossário nada óbvio e fragmentado” das personagens (as centrais e as que caminham pelas bordas da narrativa).
Com Elas marchavam sob o sol, Cristina Judar executa na sua ficção o que o filósofo Paul Preciado sugeriu, em alguma de suas propostas teóricas, ao refletir sobre produções artísticas, que é preciso pensar produções de contraficções capazes de questionar modos dominantes de vermos a norma e o desvio. Nesse romance, Judar arquiteta – retorce, flameja, dança – nomes e significados não descobertos (ou redescobertos) e corpos falantes que se reinventam. Mas se trata de uma arquitetura de existências fluídas. As medidas de tempo localizadas no livro são, na minha leitura, um derramar sonoro da imaginação da escritora.
De personagens místicas e narrativas míticas a rituais e práticas de arte e sonho – e corpos reais encarcerados e postos em eterno desaparecimento – “Elas marchavam sob o sol” nos conta sobre revoluções internas; nos diz que o percurso da revolução é ainda caminho para decifrar chamas mutantes e sombras que dançam, escolher divindades e reinventar rituais e maldições, sempre a escapar de opressões persistentes do passado e do futuro.
Pois, no presente, algum tipo de hoje, estamos nós, de mãos dadas à ficção de Cristina Judar, convidades a dançar à beira do abismo.
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Elas marchavam sob o sol, de Cristina Judar
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Raimundo Neto é psicólogo, autor de Todo esse amor que inventamos para nós (Prêmio Paraná de Literatura/Biblioteca do Paraná), relançado pela editora Moinhos. Foi um dos convidados da edição 2019 do Printemps Littéraire Brésilien/França. Participou de antologias e coletâneas de contos como A resistência dos vaga-lumes – Antologia brasileira escrita por LGBTQIA+s; Caçuá – Coletânea de contos de autoras e autores piauienses, e Feliz aniversário, Clarice – Contos inspirados em Laços de Família (Editora Autêntica). Nasceu em Batalha, no Piauí, e atualmente mora em São Paulo.