Trem

* Por Clara Lua *  

Desço na próxima estação , ela disse, sem a menor vontade de sair do banco. “Próxima estação, Ana Rosa, acesso à linha um azul, desembarque pelo lado esquerdo do trem.”

Adoraria que existisse mais uma estação, só para que ela tivesse ficado mais.  Tudo bem que seria egoísmo, luxo puro do coração. Enrolava na escada rolante, para que não conseguisse embarcar no trem. Já na plataforma.

Queria que a estação tivesse um nome bonito, mas era só o Trianon às nove e meia da noite de quinta, sem muito gente para observar. A ponta da língua ainda ardia. O café quente. O pé doía. A bolha do futebol. A cabeça… Eita trem desgovernado. A cabeça ainda se prendia na fala das horas.

Eram duas linhas diferentes. A azul e a verde. A clara e a escura. Ah, mas dizia alguém: diferença é linha de costura que junta as partes sem machucar.

Como queria outra estação para ela poder ficar mais. Uma estação de nome bonito, para a despedida ficar um pouco mais suportável.  Se ela tivesse descido na primeira, o texto seria poético. “Desceu no Paraíso, lugar certo para gente como ela.” No entanto, ficou mais uma, tirando a bela da futura prosa, “desceu na Ana Rosa…”. Grande merda. Vários desceram lá.

Ela ficou. Passou da hora na cafeteria, me esperou ao pé da escadaria, na plataforma. O coração, esse diacho doido, batia menos do que apanhava, uma vontade descarada que não desgrudava. “Posso te dar um beijo?”

Rapaz do céu! O trem chegou. Passou a primeira, a segunda, e na terceira: “é aqui que desço. Costumo baldear no Paraíso, mas queria ficar mais um tempo.” Como queria uma estação  que pudesse segurar esse trem difícil chamado coração.

*
Clara Lua tem 17 anos; está no terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Doutor Fausto Cardoso Figueira de Mello (São Bernardo do Campo); participou do curso de escrita “Clipe Jovem” da Casa das Rosas, no segundo semestre de 2016

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