Um dos mais notáveis poetas da literatura brasileira, que transita com igual desenvoltura pelas culturas popular e erudita, Salgado Maranhão completa 70 anos em novembro próximo, mas as celebrações se antecipam e começam já em setembro com o lançamento pela Editora Malê da antologia poética A voz que vem dos poros.  A noite de autógrafos aconteceu no dia 25, na Livraria da Travessa, no Leblon. Com uma seleção criteriosa de poemas que abrange mais de quatro décadas de carreira literária, o livro oferece um retrato profundo e multifacetado de sua trajetória.

Com curadoria do próprio autor, ao lado do professor e filósofo Rafael Campos Quevedo, e do Doutor em Letras (PUC-Rio), Vagner Amaro, A voz que vem dos poros é uma jornada pela rica poesia de Maranhão. Segundo Quevedo, a coleção foi organizada sob dois prismas: “o da diversidade de seus expedientes formais e o da reiteração de um núcleo imagético em torno do qual a sua obra orbita”, referindo-se, justamente, a elementos reincidentes associados à figura do ancestre.

Os poemas selecionados dialogam com as paisagens dos locais originários que serviram de ponto de partida para a sua percepção do mundo. “Posso destacar alguns poemas da primeira fase de minha escrita, como, por exemplo, ‘Sentença’ e ’Negro soul’; ou ‘Ladrante’ e ‘Terra sem nome’, que pertencem a uma fase intermediária, que conversa com o início dos meus escritos”, explica Maranhão.

A influência dos animais como recursos poéticos, a profunda conexão com a vida e com os outros, o erotismo, a exploração dos dramas humanos e a abertura à alteridade se entrelaçam, na obra de Maranhão, com uma brasilidade crítica e apaixonada, equilibrando rigor estilístico com liberdade criativa”, define Amaro, que também é o editor do livro, do qual assina a orelha.

Publicar pela Malê um livro do Salgado Maranhão era um desejo meu desde a criação da editora. Salgado é um escritor da mesma geração de escritores que nos inspiraram a criar a Editora Malê, como a Conceição Evaristo, o Cuti, a Geni Guimarães, o Éle Semog. Ele participou dos coletivos de jovens escritores negros na década de 80, como o grupo Negrícia, no Rio de Janeiro e é atualmente um dos grandes representantes da poesia brasileira”, complementa Amaro. O editor acrescenta, também, que a obra contribui para o que, criteriosamente, a editora está compondo para o seu catálogo, e para o que o mesmo comunica, que é a relevância da literatura de autoria negra.

De Canabrava das Moças para o mundo

O poeta, nascido no povoado de Canabrava das Moças, no interior do Maranhão, onde ajudava seus pais na lavoura e vivia imerso na cultura popular nordestina, desenvolveu uma sensibilidade ímpar e inteligência apurada. Assim como Paulo Freire e Florestan Fernandes, Salgado Maranhão teve sua alfabetização tardiamente, sendo compensada por sua obstinação pela leitura quando descobriu e passou a frequentar uma biblioteca pública. Ávido e com facilidade para o aprendizado, concluiu todas as séries em tempo recorde, formando-se aos dezoito.

A partir da amizade com o tropicalista Torquato Neto, que conheceu quando já estava com a família em Teresina, no Piauí, é que veio o estímulo para vir morar no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970. Em busca de aprimoramento, ingressou na faculdade de Comunicação da PUC mas, logo depois, descobriu a cultura oriental, abraçando sua filosofia contemplativa a ponto de largar o curso superior para tornar-se professor de Tai Chi Chuan.

 A qualidade de seus versos foi reconhecida logo após sua estreia como poeta e um dos organizadores da coletânea Ebulição da escrivatura: Treze poetas impossíveis (Civilização Brasileira), em 1978, um dos poucos livros do movimento de poesia marginal publicados por uma grande editora.

Com isso, Maranhão passou a ser convidado para fazer parcerias musicais com importantes compositores, como Paulinho da Viola, Ivan Lins, Elton Medeiros, Zeca Baleiro, Moacir Luz, entre outros. Já são mais de 50 músicas gravadas por nomes como Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Alcione, e muitos mais. O maior sucesso foi com “Caminhos de sol”, tema da novela A viagem, da Rede Globo, e que tem a primeira gravação na voz de Zizi Possi.

De lá pra cá, publicou dezesseis livros de poesia. Foi duas vezes vencedor do prêmio Jabuti, com os livros Ópera de nãos, em 2016, e Mural de ventos, em 1999, e também recebeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo livro A cor da palavra, em 2001, entre outros. Nesse tempo, a ele também foram dados dois títulos de Doutor Honoris Causa, pelas Universidades Federais do Piauí e do Maranhão. Sua produção transcende fronteiras geográficas e temporais, e evoca a universalidade ao mesmo tempo em que se nutre das raízes ancestrais e afro-diaspóricas que permeiam sua obra.

Seus poemas se espalharam pelo mundo, e foram traduzidos para o inglês, o árabe, o italiano, o francês, o japonês e até para o esperanto. Atualmente, Maranhão é um dos poetas mais lidos e requisitados em cursos sobre poesia brasileira contemporânea no exterior. “Tudo começou no ano 2000, quando Luíz Fernando Valente fez um estudo de minha obra na Brown University. Cinco livros meus foram traduzidos pelo grande tradutor Alexis Levitin, isso chamou a atenção do mundo acadêmico americano”, relembra, contabilizando que já palestrou em mais de 100 universidades dos Estados Unidos nos últimos 11 anos.

Por lá, seus poemas caíram no gosto dos professores e estudantes norte-americanos de língua portuguesa. “Mais de 60 veículos publicaram traduções de meus versos, incluindo o caderno de literatura do The New York Times. Agora, tem poemas meus até em árabe”, festeja o autor, que recentemente alterou seu registro civil, e agora oficialmente assina José Salgado dos Santos Costa Maranhão.

A voz que vem dos poros, portanto, é uma celebração do legado literário de Salgado Maranhão e da relevância contínua de sua obra no Brasil e no mundo. Com sua poesia, o autor se consolida como um dos pilares da literatura contemporânea, inspirando leitores e escritores por gerações.

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