* Por Angelo Mendes Corrêa e Itamar Santos *

Historiador, romancista, poeta e tradutor, André Caramuru Aubert , conforme bem acentuou Ruy Espinheira Filho, ao escrever sobre seu romance Cemitérios, “possui aquilo que Guimarães Rosa achava indispensável na ficção: a metafísica. Isto não porque fala em vivos e mortos e mistérios do espírito – mas porque nos serve, em prosa rica e precisa, a condição humana.”

Ao escrever sobre sua poesia, o escritor mineiro Ronaldo Cagiano lucidamente salientou: “André Caramuru Aubert dispensa os arroubos formais e as piruetas estilísticas com que certos poetas incensados pela mídia e sacralizados por críticos de encomenda usam e abusam, fazendo mais figuração que poesia”.

É autor de seis romances: A vida nas montanhas, A cultura dos sambaquis, Cemitérios,  Só uma estranha luz como pensamento, Poesia chinesa e Estevão, além de três livros de poesia: outubro/dezembro, As cores refletidas nas lentes de seus óculos escuros e se/o que eu vi.

Colabora em O Estado de S.Paulo e no jornal literário Rascunho, para o qual, na edição de abril de 2022, chegou à marca de cem poetas estrangeiros traduzidos.

Quando o despertar para o universo dos livros? Que leituras considera essenciais em sua formação? De alguma forma, eu sempre soube que queria ser escritor. Cresci cercado por livros e minha família sempre esteve envolvida com livros e arte. Tenho parentes escritores, alguns remotos, como Edward Lear e Rodolphe Töpffer. E outros mais próximos, como a romancista Maria de Lourdes Teixeira e o poeta Gustavo Teixeira. Meu avô paterno foi editor e romancista, na Suíça. Meu padrasto era jornalista. Enfim, acho que o gosto por ler e escrever está no meu DNA. São muitos os livros que me formaram. Aliás, concordo com Borges quando ele dizia que ler é mais importante do que escrever. Mas, eu posso mencionar alguns autores fundamentais na minha vida. Numa primeira fase, teve Saint-Exupéry e seus relatos do Correio Aéreo. Depois, Borges, Alejo Carpentier, Thomas Mann, Conrad, Nabokov (que tem um lado menos conhecido, mas maravilhoso, de poeta). Mais tarde, vieram Tolstói, Coetzee, Beckett, John Cheever, Saki, Mário de Andrade, José Geraldo Vieira, Pedro Nava, João Ubaldo Ribeiro. E, mais recentemente, Natsume Soseki, Sebald, Bolaño e Thomas Bernhard. Mas sempre li muita não-ficção também, afinal, minha formação é de historiador, e aí entram na lista Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Prado, Michel Foucault, Caio Prado Jr., Pierre Clastres, George Steiner, Gilberto Freyre, Hobsbawm, Braudel. Procurei ler todos os cronistas que vieram para o Brasil, de Hans Staden a Richard Burton.E os poetas…

E o desejo de escrever, em que momento da vida se manifestou? Desde pequeno. E com uns vinte anos eu tinha mais de duzentos contos e um romance na gaveta. Mas eu acredito que maturidade é importante. Não só literária, mas de vida mesmo. Para escrever, é preciso viver. E isso leva anos, não é? Aqueles trabalhos mais antigos permaneceram na gaveta. E é lá que devem ficar.

Em A vida nas montanhas, seu primeiro romance, temos três personagens centrais, de diferentes gerações e concepções de mundo, trazendo à tona suas angústias existenciais.  O que o levou a construir a narrativa a partir de personagens aparentemente tão díspares e a abordar o integralismo? O integralismo é um tema que estudei bastante enquanto historiador. Li tudo que Plínio Salgado escreveu (tudo, não: A vida de Jesus me venceu, não consegui). Conheci a viúva dele, um doce de pessoa. Uma das coisas que me chamou a atenção, sempre, foi o contraste entre a dimensão do movimento, na década de 30, e o quanto, depois, ele foi esquecido. Ou mais do que esquecido: escondido no armário. Praticamente toda família brasileira de classe média teve um integralista em casa. Com quase todo o mundo, um pouco mais velho, com quem converso, vem logo a história, “ah, meu avô foi integralista”, ou “eu tive um tio que foi integralista”. E por que a negação posterior? Óbvio, pela identificação do movimento com os fascismos europeus derrotados na II Guerra, especialmente o nazismo alemão, que teve seus crimes hediondos exaustivamente expostos depois de 1945. De repente, coisas que pareciam tão louváveis, como marchar uniformizado pela rua, levantar o braço para o chefe e gritar “anauê!”, se tornaram motivo de embaraço, de vergonha. O que eu quis fazer foi expor as contradições de cada tempo, mostrando que podia haver integralistas que não foram monstros, que eram seres humanos, que podiam ser boas pessoas,  mas, ainda assim, fizeram opções equivocadas. Ora, D. Hélder Câmara foi integralista. Assim como o foram Vinícius de Moraes, Luís da Câmara Cascudo, José Lins do Rego e muitas outras pessoas dignas que, mais tarde, criticaram suas escolhas da juventude. É diferente se enganar sobre o fascismo, em 1930, e do que viria a ser, em 1945. Enfim, eu quis construir uma trama em que personagens de três gerações, com visões de mundo diferentes, de alguma maneira se relacionaram e interagiram, cada qual com suas possibilidades e limitações, com suas qualidades e defeitos. No livro, não há monstros e não há santos.

A partir do ensaio Retrato do Brasil, de Paulo Prado, que traz uma reflexão  sobre a identidade de nosso país, você constrói “A cultura dos sambaquis”, seu segundo romance, numa busca intensa para descobrir a identidade da geração pós-64, na qual se inclui. Algum traço de autobiografia? Como dizia James Salter, outro autor de quem gosto muito, não existe boa obra de ficção que não seja, em alguma medida, autobiográfica. Há muitas passagens autobiográficas em A cultura dos sambaquis. Entretanto, não é uma obra autobiográfica. Eu não fui aluno de Paulo Duarte, de quem ouvi falar, pois foi amigo de minha família, quando eu era muito pequeno. Eu não fui arqueólogo, não escavei sambaquis, embora tenha feito cursos de arqueologia, durante a faculdade. E pude acompanhar, mais ou menos de perto, a volta da democracia ao Brasil. Conheci pessoas que atuaram seriamente, que foram torturadas, que correram riscos reais. Eu era novo demais para ter uma atuação direta e presenciei alguns fatos, lá no comecinho da abertura, que, olhando retrospectivamente, eram o início de problemas que estamos vivendo tão tristemente hoje. Então, enfim, há, de fato, elementos autobiográficos em A cultura dos sambaquis. Mas, o livro não é, está longe de ser, uma autobiografia.

Só uma estranha luz como pensamento , construído em forma de diário, é, sobretudo, um dramático mergulho do narrador nos subterrâneos da memória.  Será a memória o elemento mais perturbador que arregimenta nossa caminhada? Você menciona agora um ponto extremamente sensível para mim. Praticamente tudo o que eu escrevo, em poesia e prosa, gira, de alguma forma, em torno do tema da memória. Da memória e de sua antípoda, o esquecimento. Esse tema, ou antes, essa dualidade entre lembrar e esquecer, me fascina desde criança e está em todos os meus livros, ora de maneira mais explícita, ora menos. Desde pequeno, eu gosto de ruínas e de cemitérios, mas não se trata de um gosto mórbido. São a memória e o esquecimento que me atraem. Eu não sei se, como você diz, “a memória é o elemento mais perturbador a arregimentar a nossa caminhada”. Penso que para muita gente ela não tem importância alguma, ou, se tem, é de natureza apenas anedótica. Talvez, pessoas que não liguem muito para a memória sejam mais felizes, pois contra a memória enfrenta-se uma luta em que estamos condenados, no fim das contas, a perder. Seja porque esqueceremos, seja porque seremos esquecidos. Para mim, feliz ou infelizmente, porém, a memória tem um peso gigantesco. Finalmente, creio que você tem razão. De todos os livros que escrevi, em nenhum a questão da memória aparece de maneira tão forte quanto em Estranha luz.

Ao comentar Cemitérios, o escritor Ruy Espinheira Filho destaca sua metafísica latente.  Estaremos fadados ao nada, se não contemplarmos a ideia de transcendência? Acho que sim. Sem transcendência o mundo é plano, é pobre. Uma das definições de transcendência é a revelação pelo divino. Ou seja, sai-se do meramente visível e vai-se a algum outro lugar. E não há, é claro, uma única maneira de se buscar isso. Há os que buscarão transcender por intermédio de alguma forma de espiritualidade ou de vida alternativa. Ou praticando surfe. Ou alpinismo. Ou fazendo sei lá mais o quê. No meu caso, só a arte funciona. E, dentro da arte, a literatura.

Na dedicatória e na escrita de Cemitérios encontramos a presença de três escritores de rara densidade na prosa brasileira do século XX, Cyro dos Anjos, Cornélio Penna e José Geraldo Vieira.  O que dizer sobre eles e o esquecimento das novas gerações em torno da obra que deixaram? Viu só? Voltamos ao tema da memória e do esquecimento. Em Cemitérios, houve um desejo explícito de homenagear estes três gigantes da nossa literatura, esquecidos, penso, por causa da nossa indigência intelectual, uma vez que os três, especialmente José Geraldo e Cornélio Penna, são autores difíceis, com uma densidade narrativa e de vocabulário que assustarão leitores em busca de simples diversão. O que dizer às novas gerações? Ora, algo que dá mais trabalho também traz, no fim das contas, mais prazer. Nabokov dizia não acreditar em um romance que não levasse o leitor, mais de uma vez, ao dicionário e à enciclopédia. E que um bom romancista precisava ser, ao mesmo tempo, um professor, um contador de histórias e um mago. Estes três autores reúnem tudo isso. Como não amá-los?

outubro/dezembro, sua primeira incursão na poesia, fez com que o poeta Alberto Bresciani o associasse a William Carlos Williams, haja vista o despojamento da linguagem.  Como foi para o prosador enveredar pela linguagem poética? A figura da avó inglesa, também poeta, significou alguma influência? A poesia e a prosa estão comigo, juntas, desde sempre. Na verdade, eu não as encaro como campos distintos. Se fossem artes-plásticas, seria como a diferença entre aquarela e óleo. Poesia e prosa precisam, ambas, ter lirismo, dialogar com outras obras e tempos, surpreender o leitor, tentar transformá-lo, levando-o a sair, de um poema ou de um romance, diferente do que entrou. Todos os meus romances, em maior ou menor grau, fazem uso da poesia. Quanto a Williams, devo confessar que aprendi a gostar de poesia lendo os americanos. Ele, Wallace Stevens e Edgar Alan Poe foram os meus primeiros Drummond, Bandeira e Cecília Meireles. O que diferencia a poesia norte-americana da brasileira? Bem, isso é assunto para uma tese ou para um congresso, não caberia aqui. Muito, mas muito resumidamente e com o risco de levar muita bordoada, eu diria que esse “despojamento da linguagem” significa que os americanos olham mais para o que está do lado de lá da janela, enquanto os brasileiros tendem a olhar mais para o papel. Enquanto a poesia americana tende a ser mais narrativa, a brasileira se concentra mais na forma, nas palavras. Não é à toa que, enquanto éramos influenciados pelos formalistas russos e fizemos a poesia concreta, os americanos liam os chineses clássicos e buscavam a beleza que há nas árvores do jardim, no outono ou numa mulher com o carrinho de bebê, em frente a um banco. Mas, não implica juízo de valor. Há infinitas maneiras de se abordar o poético. Não há uma melhor que outra. O que há, é natural, são as escolhas de cada leitor, suas preferências. E eu tenho as minhas. Não conheci minha avó inglesa, que morreu logo após a 2ª Guerra, depois de ter passado todo o conflito servindo como voluntária na Cruz Vermelha. Mas, tenho uma grande admiração por ela e penso que ela foi uma das pessoas que compuseram a parte do meu DNA que gosta de literatura.

O trabalho como tradutor complementa de alguma maneira o de escritor? E o de editor, que você já foi? Completamente. São fundamentais. Traduzir me faz aprender muito. É muito diferente ler um poema e traduzir um poema, ler um romance ou traduzir um romance. Quando leio um poema que seleciono para traduzir, eu vejo aspectos dele que, é óbvio, me atraem, tanto que decido traduzir. Mas, invariavelmente, quando eu me debruço sobre aquele poema, buscando caminhos para uma conversão razoável para o português, surgem novas camadas, novos significados, novas cores. O poema original cresce. E eu cresço. Eu gostei de editar, mas num determinado momento, decidi parar. Não sei se para sempre, se por enquanto. Mais pra frente, decido. O trabalho de editor tinha o lado bom de me obrigar a estar atento para as coisas novas, a olhar com atenção para o que está acontecendo por aí, a sair, enfim, da zona de conforto. Por outro lado, estava tomando muito o meu tempo e atrapalhando as atividades do autor e do tradutor, que, não tenho dúvida, são mais vitais para mim.

Algum balanço a fazer sobre a produção literária contemporânea e sua divulgação? A questão do mercado editorial é seríssima, trágica. E a culpa não é das nossas sucessivas crises. Penso que ocorre, hoje, um equívoco enorme. As editoras só pensam em lucro.  Parece correto, afinal , elas são empresas e empresas precisam lucrar. Mas, acho que a coisa é mais sutil. Se você está em busca de um negócio, não seja editor. O editor precisa ser um louco, um visionário, deve abrir caminhos. O Brasil teve editores fantásticos. Penso em José Olympio, em Monteiro Lobato, em Augusto Frederico Schmidt, em Ênio Silveira, em Caio Graco Prado. Todos eles publicavam livros que vendiam bem, é claro, mas, faziam isso para poder bancar as edições dos livros dos quais gostavam. Lançaram Graciliano, José Lins do Rego, José Geraldo Vieira, Jorge Amado, tantos autores. Gente que não era celebridade e que, no começo, vendia pouco. E onde estão os visionários do passado? Foram obrigados a se refugiar nas editoras independentes. Que fazem o que podem, produzem livros bonitos, lançam autores, arriscam. Porém,  não têm poder de fogo para divulgar, distribuir e vender adequadamente. Ao mesmo tempo, o espaço para a literatura nos grandes jornais vem minguando ano a ano, restando aos autores tentar ver seus trabalhos comentados em blogs e nas redes sociais. Ok, são mídias novas e importantes, mas, para o livro, é pouco. Penso que há muita gente boa escrevendo no Brasil. Quem afirma que o romance e a poesia estão mortos está falando uma bobagem descomunal. Eu não gostaria de citar nomes, porque invariavelmente deixarei de lado muita gente boa. E, claro, tem as modas, tem os tempos dicotômicos em que vivemos e o resultado é que há muita porcaria sendo publicada e até ganhando prêmios. Mas, sempre foi assim e quem vai dizer quem fica, ou quem não passa de fogo de palha, é o tempo. Agora, se não menciono os autores de hoje, dos quais gosto, sou ainda mais reticente para mencionar os que não gosto. Você pode até me torturar, mas não me verá falando mal de algum autor ou livro contemporâneo. E isso não é porque não quero me indispor com ninguém, mas, sim,  porque penso que a arte precisa de volume, de massa crítica e qualquer um que se disponha a criar, a publicar, a por a cara a bater, já merece meu respeito.

De onde veio a ideia de escrever o romance Poesia chinesa, publicado em 2018. E qual a razão de seu título? As principais ideias por trás do projeto do Poesia chinesa eram três: em primeiro lugar, eu quis me colocar o desafio de estruturar o romance essencialmente em fluxo de consciência, algo que nunca tinha feito. E queria que tudo o que acontecesse fosse passado para o leitor, sob a ótica do protagonista. Assim como, quando conversamos, o que você me fala não chega para mim de maneira objetiva, mas é filtrado pela minha mente, eu queria que, no romance, fosse igual. É claro que não inventei isso, no entanto, é uma técnica que eu nunca tinha usado e estava querendo experimentar. Em segundo lugar, eu queria falar da crise da meia-idade masculina, no âmbito da classe média urbana (e paulistana), que é um universo que me é, para dizer o mínimo, familiar. E, finalmente, ao colocar o protagonista como professor, que dá aulas sobre poesia clássica chinesa, minha intenção era fazê-lo transitar entre o sublime (a beleza da poesia) e as miudezas da vida, das mesquinharias, do dia a dia, da crise conjugal, da pobreza de espírito, das decisões moralmente duvidosas. Não é verdade que algumas das mais importantes obras de arte foram criadas por artistas que eram pessoas de caráter mais do que duvidoso? Não é assim mesmo, o mundo? E, de lambuja, apresentei ao leitor alguns belos poemas chineses, parte deles até então inéditos em português.

Em seu romance mais recente, Estevão, um dos personagens é um romance. Como foi seu longo processo de gestação, que levou quase uma década? Estevão nasceu de um clique, de observar aquelas bonequinhas russas que tem outra menor dentro dela, que, por outra vez , tem outra, e outra, e assim por diante. Eu queria contar uma história,  na qual houvesse outras histórias dentro. No fim, é uma história só, mas com mais de um foco. Tem o Estevão protagonista, que mal participa do livro. Tem as duas mulheres, a ex e a atual, que são muito mais presentes. Aliás, Simone, a ex, é para mim a grande personagem do romance. É a figura mais forte, mais sofrida, mais contraditória. Ao longo da escrita, foi com quem mais me identifiquei e por quem mais sofri. Quando ela chorava, eu chorava junto. E, finalmente, há o quarto personagem, o livro que Estevão está escrevendo, sobre uma figura histórica real, mas,  pouco conhecida,  também chamado Estevão. E aí houve o espaço para que eu me divertisse e pudesse falar sobre os brasileiros que somos e o Brasil em que vivemos. Não foi um livro fácil de escrever. Nunca é, mas esse foi pior. Por isso, levou dez anos. Foram muitas escritas e reescritas, muitas versões descartadas. Sete, ao todo. Cada um dos personagens precisava ser verdadeiro, ter voz própria, ter volume. Inclusive o Estevão histórico. Precisei entrar na cabeça das duas mulheres para dar vozes realistas a elas, que eram, inclusive, muito diferentes entre si. Além disso, fiz muita pesquisa histórica sobre o Estevão histórico, sobre as Guerras Napoleônicas em Portugal, o processo de independência do Brasil, a cidade de Diamantina. Isso tudo deu muito, muito trabalho.

No seu livro se/o que eu vi, a memória, uma vez mais, parece fornecer a matéria prima de sua escrita.  Como avalia isso? Como eu te disse antes, memória e esquecimento têm um papel importante em tudo o que escrevo, porque têm um papel importante em quem eu sou. Mas, no caso específico desse livro, acho que há outro componente, que, mais ou menos, liga todos os poemas, dando unidade ao volume, que é uma espécie de calafrio, ou de arrepio, diante de uma iminente, mas, ainda não evidente, calamidade. Foi como se eu tivesse sido, meio que na definição poundiana, um pouco uma antena do tempo. As coisas estavam ficando ruins por aqui e, de fato, piorariam muito. De alguma maneira, os poemas do livro antecipam o Brasil em que estamos vivendo hoje. Aliás, teve até uma ensaísta, ligada a esoterismo, que viu o livro como uma premonição. Eu disse a ela que não acreditava nessas coisas, mas que, de alguma maneira, a leitura dela fazia sentido.

Pode nos antecipar os novos projetos? Estou trabalhando numa tradução difícil, mas divertida, de Frankenstein, da Mary Shelley, uma figura, aliás, inacreditável, impressionante. É uma versão comentada por cientistas e filósofos, que saiu nos Estados Unidos, pela editora do MIT. Somados ao livro original, as centenas de notas de rodapé e os ensaios que fazem parte do volume, resultam em praticamente três livros em um. Assim que terminá-lo, devo voltar ao meu próximo romance, quase finalizado, mas, ainda, pedindo alguns ajustes, chamado Pés negros. Também é complexo, também traz alguma autobiografia e muitas vozes, muitas histórias, muitos tempos e geografias. E também tem, nele, quase dez anos de trabalho. Acredito que até o meio do ano eu o termino. Aí é enviar para a editora e trabalhar na publicação. E já tenho o romance seguinte, A beleza das coisas, começado. Está em estado de repouso, esperando o momento possível para que eu volte a ele. Antes, é claro, preciso fechar o Pés negros. Além disso, tenho na gaveta dois livros de poemas. O primeiro se chama A poesia que há. Está 100% concluído e era para ter saído no primeiro semestre do ano passado. Estava lindamente paginado, com capa feitos pela Clélia Aubert. A capa usa uma belíssima foto, de um projeto de registro da pandemia, na periferia de SP, presente do meu amigo Dimitri Lee. Mas, a editora enrolou. No fim das contas, o livro ia sair no final do ano, na mesma época do Estevão. E, como não me vi em condições de lançar dois livros quase ao mesmo tempo, abortei a publicação. O poesia que há acabou engavetado e assim vai ficar, até que alguém, ou algo, me convença a voltar a ele. Para ser franco, no momento pelo qual estamos passando, no Brasil e no mundo, não estou com a menor disposição de lançá-lo. Como diria o Veríssimo, poesia, numa hora dessas? Enfim, alguma hora,  me animo. Não estou com pressa.

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Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

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