* Por Sérgio Tavares *

Após estrear com o excelente Interrompidos, Alê Motta retorna aos micro relatos em Velhos. O volume reúne trinta histórias compactas, norteadas por um mesmo propósito temático: explorar as diversas facetas da velhice, calibrando o foco de observação entre o íntimo e o mundano.

O resultado dessa variação é um conjunto que conserva um sentido de unidade, embora se movimente por demarcações de argumento, de tom e de abordagem. Há sempre um protagonismo instalado, feminino ou masculino, descrito em primeira ou em terceira pessoa. O que narram e o que vivem definem as transições experienciais.

Assim, os personagens vão de idosos frágeis, assombrados pela presença da morte a septuagenários cheios de energia, que encaram o futuro com binóculo. Avós doces, engraçados, dividem o rolo das páginas com velhotes atormentados, amargos, capazes de atos cruéis ou que guardam segredos obscuros.

A autora tem como base o olhar do cronista sobre o lado prático e material da vida, agregando a essa captura esteios ficcionais que dão conta da manifestação da memória e de certa representação física de uma sorte de sentimentos, entre os quais o amor, a solidão, o rancor, a perversidade.

Essa mescla organiza a tudo numa espécie de teia de fios ao mesmo tempo sensíveis e cortantes, finamente urdindo esses formatos de cena, de episódio, de captura de instante, com ironia, com comentário crítico, com ternura, com picardia. Os textos demonstram um controle na colocação das frases em prol de uma precisão estilística, de um leitura que alcança um efeito fulminante, mesmo nas narrativas que se encerram com reviravoltas ou com insinuações de prolongamentos.

A exceção fica por conta de “Passado”, um relato mais complexo, estruturado a partir da alternância de duas vozes em estados de tempo distintos, que mostra que a autora tem boas ferramentas para apostar em textos mais longos no futuro. O conto, que traz um final inesperado, também configura um processo instigante de composição que é o de articular um jogo de aparências, conduzindo a um desfecho que brinca com o senso de percepção.

Outro método interessante é aplicado em “Trotes”. Um idoso cai no golpe do sequestro por telefone, e a menção à sua neta traz a lume uma informação, que descortina uma segunda informação, e assim por diante numa dinâmica semelhante ao das bonecas russas.

Naturalmente que, devido à quantidade, alguns textos se sobressaem a outros, porém o nível geral é alto. Mantendo-se fiel ao assunto eleito, as formas breves de Alê Motta divertem, espantam, antenam-se às questões do tempo atual, além de gerar uma inevitável sensação de familiaridade com sua galeria de personagens ordinariamente humanos.

Velhos é um exercício de escrita sobre um tempo sentenciado a um fim, mas que consegue subverter essa condição numa pluralidade de caminhos.

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Velhos, de Alê Motta (editora Reformatório, 136 páginas)

Avaliação: Muito bom

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Sérgio Tavares é escritor e crítico literário

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