* Por Raimundo Neto *

I – Por fora

Estreou no Sesc Vila Mariana a peça “Vincent River”, do londrino Philip Ridley. Vincent, filho de Anita, é assassinado num ataque homofóbico. Anita vive um luto quando recebe a visita de Davey, o jovem que encontrou o corpo de Vincent. A peça é um dos caminhos das personagens de Davey e Anita pelo luto, amor e remorso diante da perda violenta do jovem assassinado. Sandra Corveloni e Thalles Cabral vestem com delicadeza Anita e Davey tanto quanto trancam o fantasma de Vincent e a dor dos atos homofóbicos no corpo. A direção é de Darson Ribeiro.

Philip Ridley é dramaturgo e um dos escritores britânicos mais influentes das últimas seis décadas. Ganhou dezenas de prêmios internacionais com peças, livros e filmes.

II – Por dentro

Vi a peça e chorei com o seguinte: O filho de Anita morreu com a boca aberta, e o corpo arranhado de madeira podre, ferro e ferrugem. A notícia no jornal: Jovem encontrado morto em local onde homens buscavam outros homens para sexo. Os vizinhos chamavam Vincent de bicha. Vai ver ele nem era tão inocente assim, falavam. O corpo de Vincent num banheiro sujo. Horas antes, o amor tinha sonhado com Vincent, um beijo e um casamento; o amor chamado Davey. O coração do Vincent não queria morrer. Mas parou. Parou depois de um cigarro ardendo na bochecha e pauladas e vidro triturado nos olhos; as unhas de Vincent quebradas combinando com os dentes trincados. E a mãe de Vincent, a Anita, que não aceitava o filho bicha, e a morte dele. Cuidava de Vincent num ato sagrado. Fazia asas de seda para o filho aprender a voar na arte que pintava, na infância. O menino era anjo e ia pro inferno; o diabo comendo o corpo da criança, a mãe achava. Vincent não voava; só guardava nas gavetas os corpos de homens em fotografias. A mãe enchia sacolas e mais sacolas com os desejos do filho e jogava fora. E Vincent não parava de ser bicha. Até que morreu. Cinco jovens mataram teu filho, Anita soube. Usaram pedaços de madeira e cigarros, garrafas quebradas rasgaram a fuga do Vincent. Davey ia casar com uma moça para salvar a doença da mãe que apanhava do pai até adoecer mais e mais. Vincent conheceu Davey e só queria tocar o coração do homem artista. Mas os jovens assassinos chegaram antes, abriram os gritos de Vincent nas marcas torcidas na pele, e cuspiram em seu corpo para limpar o desespero. A boca de Vincent aberta, cheia de noite, neve e sangue. Anita não sabia como esconder a morte do filho no remorso. Até aparecer o Davey, o jovem que encontrou a morte de Vincent trancada num banheiro gangrenado de ódio, e ensinar Anita a nunca esquecer o filho morto, o filho vivo, o filho morto, o filho vivo. A peça termina quando Anita descobre que é tarde para fazer o filho parar de morrer.

A peça estreou no dia 17/08 e fica em cartaz, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, até o dia 29/09. Às sextas, às 20:30h; sábados e feriado às 18h.

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Raimundo Neto é escritor e crítico literário

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