R evolucionária para uns, incapaz de trazer mudanças bruscas na visão de outros. A Semana de Arte Moderna – ou Semana de 22 – marcou o início do Modernismo na arte brasileira. Pintura, escultura, música e literatura unidas e um movimento de vanguarda que aconteceu entre 11 e 18 de fevereiro de 1922. À época, o editor do periódico O Jornal, Peregrino Júnior, entrevistou dez grandes nomes da nossa literatura e trouxe mais visibilidade sobre a opinião particular de cada escritor sobre o movimento.

Hoje, um século depois e como forma de celebrar o centenário da Semana de 22, a pesquisadora e mestra em Teoria Literária Nélida Capela lança É Apenas Agitação: A semana de 22 e a reação dos acadêmicos nas célebres entrevistas de Peregrino Júnior para O Jornal (Editora Telha), livro que reúne as icônicas entrevistas feitas por Júnior aliada a uma análise meticulosa sobre os acontecimentos da época e seus desdobramentos. A obra traz um vasto material secular de valor histórico inestimável, algo que merece ser preservado para servir como fonte de estudo dessa e das próximas gerações.

Todas as dez entrevistas analisadas foram feitas com nomes pertencentes da Academia Brasileira de Letras. Destacam-se Coelho Neto – talvez o mais famoso à época –, João Ribeiro, Silva Ramos, Laudelino Freire, Cláudio de Souza e Medeiros e Albuquerque. Cada um destes à sua maneira, enxergavam a Semana de Arte Moderna como uma agitação que não daria resultados, uma imitação do que acontecera na Europa. Já os mais eufóricos achavam que o movimento era auspicioso, que gozava de boas intenções e que poderia, sim, movimentar as letras nacionais.

O livro traz um misto de reconstituição de cena literária, retrato de época e crítica cultural, tudo isso costurado junto da reflexão crítica de Nélida que analisa e contextualiza cada resposta dos escritores com rara dedicação. “Comecei, através de uma nesga do meu pensamento, a questionar a ciranda das palavras entrevista — margem — crítica — história literária”, conta a autora.  A partir daí ela desenvolvia sua análise sobre cada relato feito um século atrás.

Leia trechos:

1- A propósito do título do livro:
Coelho Netto, presidente da ABL à época
Coelho Netto: Que penso sobre o momento literário? Penso que é apenas uma agitação, que não nos dará um resultado proveitável como produção. Foi uma tempestade que passou, escurecendo o céu e nele abrindo, de quando em quando, relâmpagos que deixavam ver o fundo tenebroso. Há tempestades úteis, não nego; esta, porém, parece-me da natureza das que apenas arrasam. Esperemos os dias da bonança, para ver o que ficou desse chamado ciclone literário.
2- Na publicação “É Apenas Agitação: A semana de 22 e a reação dos acadêmicos nas célebres entrevistas de Peregrino Júnior para O Jornal” apresento entrevistas realizadas com dez escritores proeminentes na época, todos membros da Academia Brasileira de Letras, entre eles Coelho Neto, o mais famoso.  As opiniões registradas nas dez entrevistas variaram entre aqueles que desconfiavam que a Semana de 22 era apenas uma agitação, que não daria resultados, uma imitação do que acontecera na Europa, e outras mais entusiastas, que achavam que o movimento poderia, sim, compor uma arte brasileira. Peregrino Júnior apresenta para o público leitor de O Jornal as opiniões do ambiente canônico, cuja Semana de 22, tal como definida por Mário de Andrade, tinha como um dos seus rumos a ruptura das subordinações acadêmicas. Os depoimentos são curiosos e até engraçados na forma da sua transcrição para as páginas do jornal. Numa entrevista inédita, Peregrino Júnior conta em tom de fofoca/treta literária, quem não gosta, o que Mário de Andrade achava da ABL: “um motor de quarenta cavalos”. Nessa mesma entrevista, PJ conta sobre as movimentações modernistas entre Rio e São Paulo, os escritores envolvidos, as publicações de época. É um registro muito interessante e peculiar, não sei como nunca foram publicadas. A entrevista literária na época, assim como o folhetim, garantia a venda do jornal impresso, ainda mais gerando polêmicas nacionais. No Brasil, o modelo inicial da entrevista literária foi de João do Rio, que inaugurou na Gazeta de Notícias a série O Momento Literário. 
3- Sobre os acadêmicos, Graça Aranha:
 O sr. João Ribeiro é um espírito sereno, calmo e recatado. Professor jubilado do Colégio Pedro II e membro da Academia Brasileira de Letras, não parece dado a essas agitações literárias do momento, tão contrárias aos princípios de conservador e de clássico.
Crê o senhor que a Academia de Letras ainda venha a aceitar o futurismo?
O notável gramático não sorriu. Franziu as sobrancelhas. E respondeu com inabalável convicção:
JR: A Academia é uma instituição séria, conservadora, e só aceita as fórmulas consagradas.
Mas, o sr. Graça Aranha…
JR: O sr. Graça Aranha não age como acadêmico… (E depois de uma certa reflexão)
JR: Age como um belo talento que é..

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