* Por Bruno Inácio *

Diante dos absurdos ocorridos no Brasil nos últimos anos, O presidente pornô, romance de estreia de Bruna Kalil Othero, não é apenas uma obra de ficção divertida e inovadora, mas um panorama dos anos em que a realidade e o exagero tragicômico se tornaram uma coisa só, com consequências das mais drásticas para o país e para a democracia. Publicado pela Companhia das Letras e ambientado num país chamado Plazil, o livro tem como protagonista Bráulio Garrazazuis Bestianelli, um político que ganha notoriedade por suas falas polêmicas, suas soluções simplistas e, claro, sua postura máscula.

Logo que surge é tido como herói, personagem caricato, salvador da pátria e bobo da corte. Só não é visto como o que é de fato: um perigo iminente. Seus discursos inflamados e suas hipocrisias disfarçadas de moralidade não demoram a ganhar força entre os plazileiros. O resultado é certo: Bráulio Garrazazuis Bestianelli é eleito presidente e dá início a um governo com muitos bordões e pouco trabalho.

Para além dos paralelos com a realidade, O presidente pornô chama a atenção por diversos aspectos, a começar pelo uso eficiente do humor. As piadas aparecem nas mais variadas formas e estruturas (desde elegantes metáforas até situações nonsense) e sempre funcionam.

Há, por exemplo, um debate realizado por meio de dinâmicas que parecem ter saído diretamente dos anos 90, com direito aos presidenciáveis trocando tortas na cara e procurando sabonetes numa banheira ensaboada. O sexo – uma das atividades favoritas do presidente – também ganha tom hilário na narrativa, entre orgias, submissão e fetiches pra lá de incomuns.

Outro grande acerto da escritora é a escolha por capítulos curtos, capazes de explorar não só múltiplos gêneros textuais – da poesia à redação jornalística –, mas também as facetas de um homem autoritário, atrapalhado e mal-resolvido.

Apontado como misto de ficção histórica e pornochanchada política, o livro é marcado pela escrita habilidosa e criativa da autora e confirma que aquela divisão entre o humor crítico e o escrachado, na verdade, não precisa existir.

Assim, Bruna Kalil Othero evidencia a potência da sátira (técnica comum na literatura brasileira do passado, especialmente em autores como Gregório de Matos, Nelson Rodrigues e Roberto Drummond) e faz isso tão bem que “O presidente pornô” certamente contribuirá para que esse tipo de humor volte a ocupar páginas e páginas de livros brasileiros. Afinal, inspiração por aqui não falta.

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Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e colaborador da São Paulo Review e do Jornal Rascunho.

 

 

 

 

 

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