Resenha: A volta de Bellotto ao gênero policial

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Por Ricardo Biazotto *

Se por algum tempo a literatura policial no Brasil esteve carente de bons escritores, isso já se tornou algo distante da realidade. Alguns com mais e outros com menos brilho, muitos são os nomes que hoje conquistam a admiração do público leitor e que certamente devem (ou pelo menos deveriam) seguir os passos de Tony Bellotto.

Em seu gênero, o escritor conquistou o mesmo respeito que sua banda possui desde a década de 80, quando se tornou uma das principais representantes do rock nacional. Muito desse reconhecimento se deve a Remo Bellini, personagem interpretada por Fábio Assunção nas adaptações dos dois primeiros romances protagonizados por ele.

Enquanto seu criador se dedicava aos Titãs e a outros projetos, inclusive na área literária, Bellini esteve ausente, porém não esquecido. Mesmo sendo uma personagem de ficção, os anos entre a publicação de uma nova história mudaram sua personalidade, como se o tempo no mundo ficcional passasse da mesma forma que no mundo real. História escrita em poucos meses, Bellini e o labirinto apresenta o detetive particular encarando mais do que um caso impossível. Sua batalha é também contra a própria personalidade.

Após desvendar o paradeiro de uma garota de programa, alguns assassinatos e até mesmo buscar um manuscrito perdido por um escritor policial, Remo Bellini viaja até Goiânia, o berço das principais duplas sertanejas do país. O detetive, que continua com os mesmos costumes do passado, é chamado por Marlon, cantor sertanejo de muito sucesso no atual cenário da música, para investigar o misterioso desaparecimento de seu irmão e companheiro de estrada, Brandãozinho.

Ao aceitar o pedido de ajuda, Bellini apenas não imaginava que estaria, na verdade, aceitando entrar em um labirinto de mistérios capazes de deixá-lo sem saída. Conforme fica mais próximo do caso, ele percebe que está se envolvendo com muitos segredos e que isso pode se reverter contra ele mesmo.

O uso de elementos reais sempre torna a literatura policial mais charmosa. No caso deste livro, Bellotto não apenas envia sua personagem à Goiânia, como também se aproveita de um dos fatos mais marcantes da cidade: o acidente radiológico com o Césio-137, que ocorreu em 1987, matando e contaminou diversas pessoas. Ao colocar o evento na trama, o autor torna tudo mais verídico e apresenta uma das mais marcantes personagens do livro: Mary Endaíra.

Grande companheira de Bellini em boa parte da obra, “a morena descabelada de olhos azuis” que o deixa desnorteado, ainda nas primeiras páginas, se torna uma companheira para que ele consiga sobreviver ao caos. O mistério que cerca essa personagem é desvendado aos poucos, mas ela é a responsável por um tour que apresenta Bellini ao acidente que marcou a cidade. Se ele não tem uma assistente de investigação, tem uma companheira quase sem igual, que a princípio é apenas uma personagem secundária, presente para satisfazer os desejos sexuais do narrador-personagem, mas que não demora a se tornar peça fundamental ao futuro desfecho.

Os desejos citados representam apenas uma parte da personalidade de Remo Bellini, um típico homem que passa a imagem de durão/mulherengo e precisa de poucos capítulos para se envolver sexualmente com uma nova mulher, sempre tirando proveito disso. Mas a imagem de durão de Bellini, ao menos em seu novo caso, fica comprometida por seus problemas de personalidade. Entrando em uma espécie de inferno pessoal, ele chega a confundir realidade e paranoia, algo que tem papel determinante na escolha do título.

A narrativa também deixa claro que ele passa por um momento difícil. Bellini possui um humor afiadíssimo, o que apenas se completa com outras personagens, no entanto está sempre devaneando, de forma até mesmo desnecessária, e prologando assuntos que, ao menos para a trama, pouco importam. Isso não torna a leitura menos agradável, apenas revela o interior da personagem.

Escrito por um músico competente, Bellini e o labirinto tem a música como elemento essencial, principalmente pela paixão inquestionável do investigador pelo blues e todo o sentimento único causado pelo gênero. As letras e o ritmo dão voz ao interior de Remo Bellini, por isso devem ser ouvidos atentamente para ser possível compreender todo o desfecho da trama e o lado humano de uma personagem tão bem construída, com notável a influência da literatura norte-americana.

O quarto livro de Remo Bellini (que em breve ganhará uma HQ) é um policial de primeira, que não precisa necessariamente que o culpado seja um verdadeiro mistério até o último momento. Os segredos e a maneira como Bellini encontra a saída para um labirinto (que não é metafórico) bastam para o reconhecimento do novo título da coleção policial da Companhia das Letras.

Bellini e o labirinto, de Tony Bellotto (Companhia das Letras, 280 págs.)

Avaliação: bom

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* Ricardo Biazotto é blogueiro literário do Over Shock (www.overshockblog.com.br). Já participou de diversas antologias, entre elas, Dias Contados – Vol. 2, Moedas para o Barqueiro – Vol. 3, Amores (Im)possíveis, Amor nas Entrelinhas e Ponto Reverso, todas da Andross Editora.

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