Ismael
Todas essas terras disputadas,
uma vida de alcateia e de cobiça –
mas nem todos nós temos essa fome.
Alguém tem apenas o deserto
de uma história que nunca foi escrita,
a saga sem metáfora de glória
de ciganos tão antigos quanto estrelas –
ao menos um de nós é o outro filho,
o andarilho irmão que foi banido,
e outra vida vem do fundo de um poço,
uma flecha cruza um mundo sem divisas.
Lugares
Onde fizemos memória
são lugares que já não existem,
camas de casa, mercados de Damasco
cidade dourada, templo de Palmira –
tudo transmigrado, repatriado em fábula
e entre as palavras muitos cigarros votivos,
muitas noites de intervalo musical
sem morada, sem registro, muitos dias.
Interior
Alguém esteve aqui
já não está
mas este calor na pele
das coisas, ainda
um momento aflora
e não transcorre
(uma auréola amarela
sobre a página Mundo
sobre a mesa)
ainda uma casa se pensando
em seus espelhos –
o tremor de uma nota
e outra nota
depois que um coração
para de bater.
*
Os poemas integram a coletânea Tempo de voltar, oitavo livro de Mariana Ianelli (editora Ardotempo), que será lançado em 30 de abril, na Blooks Livraria do Shopping Frei Caneca, em São Paulo